Nas últimas semanas, não apenas o
telespectador, mas o leitor de jornais, de sites, o dono de qualquer conta de
e-mail, usuário de redes sociais e qualquer brasileiro que não esteja em Marte
vem sendo bombardeado com saraivadas de informação emitidas com potência de
míssil publicitário pela Rede Globo sobre as estreias de Gabriela, Fátima
Bernardes e Pedro Bial. A divulgação é tão massiva que o público fica sabendo
delas mesmo involuntariamente, mesmo que não tenha o menor interesse em ver
tais atrações. E a Globo, quando se trata de jornalismo de umbigo, ou seja, de
transformar em pauta seu próprios produtos, é mais eficiente que milagreiro.
Programa "Na moral", que estreou na Globo no último dia 5. Foto: Artigolandia |
SACO DE VENTO - Nesta quinta, Bial estreou o seu “Na Moral’, anunciado aos quatro
ventos como um programete cabeça, para discutir em profundidade temas decolados
e com convidados e atrações idem. A primeira edição foi um assombro do que a TV
é capaz de dizer e fazer para convencer o público médio de que usa verniz
quando, na verdade, oferece madeira de demolição corroída de cupim. O programa,
antes de tudo, exige uma maratona de teimosia do público, pois, para chegar a
ele, era preciso esperar as peripécias peripatéticas do casamento do parlapatão
Cadinho em Avenida
Brasil, passar pela Grande Família, arranhar os ouvidos com a
baianidade caricata prosódica do elenco de Gabriela e finalmente deparar-se com
o saco de vento de Bial.
NO PAU DO GATO - Dizendo-se um programa de debate, Na Moral é, como se deve esperar
de debates na TV aberta, pílula de farinha fast food disfarçada de conversa
cabeça. Na estreia, o programa já disse o quanto está disposto a brincar de
circo. Num tapete com ares de persa fake da 25 de março, colocou um elenco improvável
mas apropriadíssimo para esse tipo de atração: um professor de filosofia, Luiz
Felipe Pondé, hoje o intelectual mais badalado da mídia eletrônica e de revistas
ditas antenadas, e já chamado no Twitter de Caco Antibes da filosofia, por suas
posições arrasadoras sobre o politicamente correto e sobre tudo o que diz
respeitos aos ditos fracos e oprimidos. Ou frascos e comprimidos, como prefere
Rita Lee; uma gostosa, desbocada e decotadíssima, Maria Paula, agora se
reivindicando psicóloga, com nada a dizer sobre tudo a partir do seu batom
carmim (a sua pérola da noite foi confessar que, ao invés de cantar ‘atirei o
pau no gato’, prefere mesmo é se atirar no pau do gato (sic)) e um professor
com trejeitos de cientista maluco para fazer exatamente o papel do freak
circense: Antonio Carlos Queiroz, o autor da Cartilha do Politicamente Correto,
segundo ele censurada pelo então presidente Lula. Queiroz usava uma boina
quadriculada que não ficaria bem na TV nem na cabeça de um inglês com cachimbo
e parecia, com uma caneta baratinha na mão, estar em cima de um caixote na
praça, vociferando contra os impropérios cometidos contra Tia Nastácia, o Saci
e não sei mais quem.
Aliado a isso, Alexandre Pires
bancando um DJ que não tocava nada, instalado num cenário hype, ilustrado com
grafismos, objetos vintage e um livro vermelho de arquitetura, para dar um ar
descolado, claro. Ah, e tinha ainda um ineditismo: a primeira platéia
completamente muda da TV Brasileira. Mas é preciso confessar: mesmo muda e
imóvel, fica mil vezes melhor na fita que a espalhafatosa e inacreditável
platéia collor block desocupada de Fátima Bernardes. Já Bial, cada vez que
aparecia e começava a falar em close, dava a nítida impressão que iria anunciar
com os teasers de sempre o eliminado
do dia do BBB. E o mais engraçado: com tanta gente e um assunto anunciado como
tão sério, a ditadura do politicamente correto e o assédio sexual e moral no
trabalho, o tempo era inexistente: meia hora. Descontado o tempo dos intervalos
comerciais, o tempo de um cochilo, já que passava da meia noite.
AÇOUGUE -
Sim, na TV aberta, a receita para um debate profundo e cabeça é juntar uma
fauna, um apresentador fazendo o tipo gatão de meia idade, durar meia hora, não
deixar ninguém dizer nada que ultrapasse a faixa dos segundos e terminar como
tudo termina na cultura de massa: no mercado das carnes. Ao final, atores
vestidos de macaco e um açougue de mulheres de biquínis exíguos, metros de
bunda, trocentos mililitros de peitos e coxas que fazem as mulheres horti-fruti
parecerem sílfides, pagodeavam rebolizantes no vídeo.
O melhor do primeiro Na Moral foi
a deixa possibilitada pela trilha sonora de encerramento. Os créditos do programa
subiram ao som de Falcão, o ícone pop do brega kitsch, entoando ‘homem é homem,
menino é menino e viado é viado”. É mesmo. E TV é TV, entretenimento em pílulas
aceleradas que divertem anunciando que debatem. Quer debater ou aprender alguma
coisa? Recupere o mantra engraçadinho que a MTV tinha há tempos: desliga essa
TV e vai ler um livro. Mas volte, pois, na moral, quem gosta de profundidade é
escafandrista ou os interessados nas técnicas de propulsão do Pré-Sal.
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e
Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 07 de julho
de 2012, no jornal A Tarde, Caderno 2, p. 05, Salvador/BA; maluzes@gmail.com
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