domingo, 29 de maio de 2011

Teleanálise | "Palocci, a chantagem anti-gay e o diabo"

Malu Fontes

Malu Fontes, professora e jornalista
Embora a semana tenha começado com todos os indicadores telejornalísticos apontando para Pimenta Neves como o personagem da semana, no máximo dividindo a cena, entre os mais politizados e os defensores da causa ambiental, com a aprovação do novo Código Florestal na Câmara Federal, na primeira derrota política de Dilma Roussef, eis que as estripulias financeiras do ministro chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, deram uma rasteira na pauta noticiosa para além dos significados da multiplicação miraculosa do patrimônio e foi parar na causa dos gays, lésbicas e simpatizantes, assumindo o protagonismo no disse-me-disse da opinião pública durante a semana. Gente de boa índole e folha corrida exótica, para dizer o mínimo, como Antony Garotinho e Jair Bolsonaro, por exemplo, foram dormir na última quarta-feira serelepes de felicidade moral e jurando amor eterno e elogios sem fim à presidente Dilma.

Em termos diretos, houve uma chantagem à qual a presidente Dilma cedeu já na primeira rodada. A bancada evangélica da Câmara dos Deputados e os conservadores que têm arrepios só em ouvir falar em homossexualidade viram na fragilidade de Palocci uma oportunidade de enxadrista para dar um xeque-mate na presidente: ou ela recuaria na distribuição do kit anti-homofobia nas escolas brasileiras, aprovado e recomendado pela Unesco, ou a tropa de choque evangélica iria para cima de Palocci, ameaçando-a com CPI, fritura, desmoralização e tudo o mais que fosse estratégia política de ataque necessária para derrubá-lo, empurrado que já está (por si mesmo).
  
ROSINHA - Para quem já tinha se virado nos 30 durante a campanha eleitoral para provar que era religiosa e cristã desde criancinha e que prometera contrita jamais enviar para o Congresso qualquer projeto propondo alteração na legislação atual sobre o aborto, Dilma foi de uma previsibilidade moral mais que óbvia: disse sim imediatamente à tropa evangélica e suspendeu as cartilhas. Dilma bem tentou ceder à chantagem com um eufemismo, anunciando que a suspensão do kit devera-se ao fato de não ter gostado dos vídeos. Ah, tá. Mas Garotinho, sim, aquele mesmo,o marido de Rosinha, não deixou a presidente falsear a verdade. Em alto e bom som anunciou com empáfia quais tinham sido as regras do jogo. Segundo ele, ou era a suspensão ou os evangélicos iriam fazer de um tudo para dificultar a vida de Palocci no Governo, mobilizando mundos e fundos no plenário e nas comissões técnicas.

Para quem assistiu ao embate com a frieza necessária para analisar o comportamento dos players do episódio, a primeira obviedade que emerge dessa negociação estranhíssima entre Dilma e os evangélicos é o fato ver a presidente de uma República laica negociar de maneira tão rápida e barata uma ação integrante de uma política pública voltada para reduzir o preconceito e a violência contra os homossexuais por um punhado de proteção a um ministro que, em sua vida pública, nem tão longa assim, já foi pego de calças curtíssimas três vezes. E desta vez com os bolsos cheios de um dinheiro que parece ter vindo de forma tão fácil e rápida quanto misteriosa.

NEGOCIATAS – A chantagem, o arranjo, enquanto negócio, literalmente, foi lucrativo para os dois lados, embora nem a presidente nem os evangélicos tenham combinado com os homossexuais a sua inclusão na negociata. A pergunta que se deve fazer a Dilma é: o que ela ganha ao desistir de algo tão caro para a causa gay, assim, de bandeja, para agradar aos evangélicos? A proteção de seu pit bull político, mais uma vez ferido moralmente de morte, um homem que lhe é mais do que necessário, uma vez que atua, no governo, como uma espécie de amortecedor de espuma entre o que resta de direita e esquerda e entre o capital/mercado e os movimentos sociais que sempre apoiaram os governos do PT. E os evangélicos, o que ganham? Ora, uma moeda valiosíssima. A pregação evangélica sem a presença do diabo em seu discurso sofreria uma baixa de valor incalculável e ninguém é ingênuo para desconhecer que a homossexualidade é uma das faces mais robustas do demo na retórica religiosa.

Nesse imbróglio todo de Palocci e seus desdobramentos, quem saiu ganhando mesmo foi a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, antes no centro de uma fritura ininterrupta. Diante dos estragos na Casa Civil, quem haveria agora de perder tempo pensando em fazer mudanças no MinC? Do outro lado, o da sociedade civil, por mais paradoxal que possa soar, quem sai ganhando em dignidade são os homossexuais: com antagonistas tão vulgares e capazes de negociatas e barganhas tão espúrias quem, sensato, há de negar que é um luxo estar do lado oposto?


Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 29 de maio de 2011, no jornal A Tarde, Salvador/BA. maluzes@gmail.com

domingo, 22 de maio de 2011

Teleanálise | "O caseiro, o ministro e seus dinheiros"

Malu Fontes

Malu Fontes, professora e jornalista
Dois pesos e duas medidas. Assim é, e ainda será por muito tempo, a assimetria das consequências públicas a serem enfrentadas, de um lado, por aqueles cujo estatuto na vida os situa em condições privilegiadas e, de outro, por aqueles que habitam os andares de baixo da pirâmide social. O caso do enriquecimento brusco e vertiginoso do ministro da Casa Civil de Dilma Roussef, Antônio Palocci, é um caso típico de que, perante a hipocrisia social e política, os poderosos não apenas são poupados de explicar suas trajetórias suspeitas como ainda podem arriscar uns passos numa coreografia retórica permeada de arrogância do tipo ‘enriqueci em quatro anos porque fui ministro da Fazenda e ex-ministro vale muito no mercado’. E quem há de duvidar? Já caseiros e ex-caseiros não valem nada e a história do piauiense Francenildo Costa, todinha encontrável em qualquer busca no Google, está inscrita na crônica dos escândalos políticos brasileiros para sustentar essa tese.

GAROTAS – Durante os quatro últimos anos, quando exercia o mandato de deputado federal pelo PT de São Paulo, o ex-ministro da Fazenda do Governo Lula, saído praticamente pelos fundos da pasta em 2006, após o então caseiro de uma mansão de Brasília (Francenildo) afirmar que por mais de dez vezes o vira freqüentar a casa junto com lobistas, políticos, empresários e garotas de programa, em torno de malas de dinheiro, negociações político-econômicas e uísque a go go, ganhou uma dinheirama e tanto. O assunto chegou, primeiro, na manchete da Folha de S. Paulo de domingo passado e, ao longo da semana, espalhou-se por todos os telejornais. As evidências dão conta da multiplicação do patrimônio do ministro Palocci, em apenas quatro anos, em 20 vezes, em relação ao que declarara ao candidatar-se a deputado. Praticamente em cash, já que efetuou o pagamento em apenas duas vezes, Palocci adquiriu durante o mandato um apartamento de R$ 6,6 milhões e um escritório por cerca de R$ 850 mil.

Ao ser questionado, pela imprensa e pela oposição, sobre como conseguiu enriquecer tão rápido em tão pouco tempo, Palocci estrilou, os companheiros também e até a sisuda e tida como rígida presidente Dilma fez um primeiro ensaio de troça com a opinião pública: ‘eu e o ministro estamos saudáveis’. Ela, após um acometimento de pneumonia e ele, após ter seu fermentado patrimônio recente divulgado. Diante da justificativa de Palocci, de que adquirira os recursos fazendo consultoria (enquanto exercia o mandato de deputado federal encerrado no ano passado) a empresas privadas e que ex-ministro da Fazenda vale muito no mercado, no governo e nos bastidores do PT todos foram unânimes em bater o pé afirmando que, mais do que isso, o ministro não tem obrigação nenhuma de explicar. Para quais empresas prestou consultoria, em que campo e por quais honorários, essas são, segundo o governo, informações que não interessam a ninguém.

CACHÊ - Ok. Não se trata aqui de propor sessões de tortura para obrigar o ministro a confessar quem o remunerou tão bem durante o seu mandato e por quais serviços, mas tão somente de reiterar o quanto pimenta em qualquer parte do corpo dos outros é elixir aliviante. Basta comparar a importância dada pelo Governo e por altos ocupantes de cargos do primeiro escalão do Governo Lula quando o caseiro Francenildo confirmou o envolvimento do então ministro Palocci com lobistas em Brasília. Não só acharam que o dinheiro que cada um tem no banco merece ser considerado duvidosíssimo, quando não há razões claras para associá-lo a salário por trabalho reconhecido, como sequer se deram ao trabalho de perguntar a Francenildo se ele tinha algum dinheiro e como o havia conseguido. Bastou ele incomodar o todo poderoso ministro para que uma tropa de choque a serviço deste literalmente arrombasse a vida do coitado, incluindo violação de sua conta no banco, onde encontraram uns 30 contos que vinham sendo depositados entre janeiro de março de 2006 por um pai do Piauí que nunca o havia reconhecido e, naquele ano, resolvera lhe dar um cala boca financeiro.

Sim, a violação da conta do caseiro levou Palocci a sair do Governo, mas quem há de negar que quem mais perdeu com essa história foi Francenildo? Teve que se esconder durante meses em um programa de proteção à testemunha, afastar-se da mulher e do filho. Ninguém foi punido, Palocci voltou ao governo por cima da carne seca, não só na condição de parlamentar super bem votado como também, agora se sabe, como consultor ultra bem remunerado. O dinheiro achado na conta de Francenildo, via violação de sigilo bancário, uns trocados, foi logo sendo considerado pelos amigos do ministro como sinal de que deveria estar recebendo cachê da oposição para dizer o que viu.

SEXO ORAL - Entraram na conta bancária e na vida privada do pai de Francenildo, um velhote meio classe média do Piauí que havia dado uma pulada de cerca há uns 20 anos passados e tentava se redimir em segredo. Agora, diante dos milhões de Palocci, soa ofensivo aos sensíveis amigos do ministro perguntar quem o consultou a peso de ouro. Como não se explica nada, já correm soltas as versões de que o fio do novelo que deu no apartamento carérrimo nos Jardins, em São Paulo, pode começar, ou terminar, lá nas bandas de Angola, na África.

Comparando-se os modos de tratamento político dado por parte do partido do governo aos dinheiros de Palocci e aos de Francenildo, é fácil supor que, se fosse no Brasil que um chefão do mundo do poder, como o diretor do FMI, Dominique Strauss-Kahn, forçasse uma camareira de hotel a uma sessão apressadona de sexo oral e ela se atrevesse a denunciá-lo, perigava ela, e jamais ele, ir para a cadeia. E por falar nisso, abordar suruba no apartamento do personagem de Lázaro Ramos, no novelão da oito, pode, mas referir-se à sessão de sexo oral do senhor Dominique nos telejornais não pode. Por quê?  

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 22 de maio de 2011, no jornal A Tarde, Salvador/BA. maluzes@gmail.com

domingo, 15 de maio de 2011

Teleanálise: "Barba, bigode e abismos"

Malu Fontes 

Malu Fontes, jornalista e professora
Na esfera local, o fato de o governador Jaques Wagner ter vendido a uma marca de lâminas de barbear os pelos da barba e do bigode que cultivava há 30 anos obteve muito mais destaque no noticiário não apenas televisivo, mas de todas as outras mídias, do que a greve e o impasse em torno dela envolvendo os professores das universidades estaduais e o mesmo governo do barbeado em questão. E é preciso admitir que se vive em um tempo em que é assim que as coisas se movem. Ou seja, quem quer saber de milhares de alunos sem aula, de professores parados e de suas pautas de reivindicação, e, menos ainda, de que o mesmo petismo que sempre amou uma assembléia e paralisação de qualquer ‘catiguria’ agora corta o salário dos professores em greve se o governante é tão bem intencionado que sacrifica os cabelos da cara por R$ 500 mil em nome da nobreza da causa da educação? Sim, para quem não sabe, o cachê pago pelas barbas do governador irá, centavo a centavo, para o campo da educação na Bahia.

COISAS FEIAS - Na mesma semana desse feito publicitário e de marketing pessoal e político sem precedentes na história desse estado, o telespectador acordou na segunda-feira ainda sob o efeito (e por que será que repórteres de rádio e TV, aqui e alhures nunca sabem que sob não pode nunca ser sobre?) do estômago embrulhado com as imagens de mais uma das matérias denúncias do Fantástico, desta vez sobre coisas inacreditáveis que ocorrem quando o assunto é merenda escolar Brasil afora.
 
A Educação, embora sempre, no Brasil, esteja condenada aos piores tratamentos governamentais, é um tema que ocupa reiteradamente espaços mais do que generosos no noticiário televisivo. Durante toda esta semana, enquanto o Jornal da Band se transformou em um panfleto quase agressivo dando voz tão somente aos donos do agro-negócio diante da cobertura da reforma do Código Florestal no Congresso, o Jornal Nacional abriu um espaço gigantesco para os desafios da educação, em uma série de matérias especiais sobre o tema ao longo da semana.

Do mesmo modo que o marketing político sabe que a imprensa irá toda saracoteante atrás do merchandising governamental inflado pela parceria público-privada (entre o Governador da Bahia e a marca de lâminas) em nome da sacralizada causa da educação, os gestores que aparecem mal na fita em matérias já rotineiras sobre denúncias na educação também já sabem a receita de bolo para tentar safar-se das coisas feias que fazem em seus rincões. Diante de uma denúncia num telejornal, a receita é dar satisfação à referida emissora e equipe de reportagem, mesmo que no dia seguinte os alunos continuem mergulhados no mesmo abismo qualitativo e quantitativo. Fazem uma maquiagem tipo meia-sola do fato denunciado diante das câmeras e parecem acreditar que fica tudo certo. E o pior é que fica, pois, no dia seguinte, os mesmos alunos pobres e sem voz nem vez estarão tão mudos quanto sempre.

ARMENGUE - Em uma das escolas visitadas pela reportagem do Jornal Nacional, em Teresina, a Secretaria de Educação, o Governador, a Diretoria da Escola, quem sabe quem ou quem sabe todos juntos, assim que se tomou conhecimento da passagem da TV pelo local, acorreram magotes de pedreiros, carpinteiros, marceneiros, pintores e tudo o quanto é mão de obra inexistente o resto da vida para fazer um armengue de fachada nas instalações do prédio, que, na véspera, eram menos vistosas que as cavernas afegãs onde um dia acreditou-se que Bin Laden escondia-se. Beira a imoralidade com a cidadania dos alunos e professores da escola ver uma tropa de choque de operários trabalhando em função não do direito dessas pessoas de terem um lugar para estudar e trabalhar minimamente digno, mas tão somente para dar satisfação a uma emissora de TV.

Em um país em que tudo na educação pública ou é abismo ou é performance, a economia pode ir tão bem quanto a do resto do mundo, mas o povo será sempre composto por batalhões de derrotados diante de outros países onde a educação levou a sociedade para outros caminhos. O tão comemorado acesso ao consumo é formidável, mas não custa lembrar que ele pode se espatifar diante dos sinais mais encorpadinhos de volta da inflação. Já a educação de qualidade e o investimento a curto, médio e longo prazo em qualificação de mão de obra serão sempre uma receita formidável para qualquer nação sair do buraco. Aqui, não se consegue parar de jogar lixo da janela do carro, coletar o lodo coletivo depositado nas calçadas, mas as cantantes endinheiradas estão em todos os outdoors numa briga de foice exigindo que a abertura da Copa seja aqui, uma cidade que nem buzu tem. Yes, we can.

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.

domingo, 8 de maio de 2011

Teleanálise: "A dança da morte"

Malu Fontes

Na semana em que as festas globalizadas em torno da Beatificação do Papa João Paulo II e do casamento real britânico ainda estavam com suas imagens frescas na retina dos telespectadores, eis que uma bomba sacode o mundo, extrapolando o impacto do ocidente rumo ao oriente e aos seus pedaços mais temidos pelas potências do mundo. O governo Barack Obama, finalmente, por volta da meia noite de domingo, deu cabo a uma caçada do seu país que já durava quase 10 anos: matou Osama Bin Laden, desarmado, segundo se anunciou, enfiando-lhe um tiro à queima-roupa na cabeça, e em um lugar improvável em se tratando do terrorista mais procurado do mundo. O satã contemporâneo do ocidente estava onde menos se esperava. No sacrossanto espaço do lar, ao lado de filho e mulher e a pouquíssimos metros de uma base militar no Paquistão, a quem os Estados Unidos vêm dando generosos nacos de dólares para combater o terrorismo.

Para quem se acostumou, na ultima década, a ouvir relatos associando Osama Bin Laden a montanhas longínquas e inabitáveis do Paquistão e a cavernas do Afeganistão, o desfecho da caçada foi meio anticlímax. Para além da execução em si do homem apontado como o arquiteto dos atentados de 11 de setembro (2011), um marco histórico que redefiniu os modos de se estar no mundo, o aspecto da cobertura telejornalística que mais chamou atenção, pelo inusitado do fato, foram as imagens da população dos Estados Unidos, de norte a sul do país, e sobretudo em Nova York e em Washington, dançando nas ruas, cantando, comemorando vestida e pintada com as cores da bandeira, a morte de Bin Laden. Há de se convir que não é coisa muito normal assistir na TV, e não sob a forma de ficção, mas de realidade, uma festa cívica no país mais poderoso do mundo para celebrar o assassinato de um único homem. Parecia a comemoração de uma vitória bélica sobre uma outra nação e não sobre um único indivíduo.

O DIABO DO MUNDO - E agora que o diabo dos Estados Unidos morreu e, pelo que se anunciou, virou lanche de peixe no Mar da Arábia, quem será colocado em seu lugar? Sim, pois se tem coisa que os Estados Unidos precisam, sempre, é ter algo ou alguém para fazer o papel do diabo do mundo. Esse lugar já foi de Fidel, dos vietcongues e, principalmente, da União Soviética, durante toda a Guerra Fria. Sim, o espantalho de Muammar Kadafi ainda resiste na Líbia, mas assim como Obama tem agora um cadáver de diabo para chamar de seu e caminhar sobre a debilidade de Sarah Palin e Donald Trump nas próximas eleições, o presidente francês Nicolas Sarkozy também quer o seu para ficar bem nas urnas e já deixou as coisas claras quanto a Kadafi: esse cadáver é seu e ninguém tasca. Matar Kadafi é, hoje, para o Sarkozy político, tão ou mais importante que, para o Sarkozy homem, a confirmação das especulações da gravidez de sua Carla Bruni.

Embora logo após o anúncio da morte de Osama Bin Laden, Barack Obama tenha anunciado que o mundo agora é um lugar mais seguro, sabe-se que a equação da paz internacional não é tão simples assim. Os Estados Unidos tanto sabem que o terrorismo e suas organizações devem continuar sendo temidas que, durante toda a semana, as principais cidades e os pontos estratégicos do país tiveram seus alertas de segurança elevados para o grau máximo. Nesse contexto, a festa cívica nas ruas para comemorar a morte de Osama pode ter, e já teve, efeitos miraculosos nos índices de aprovação popular de Obama e, consequentemente, nos índices eleitorais. Mas pode também ser uma forma de atrair ainda mais a ira ilimitada das organizações terroristas que nunca negaram ter como profissão de fé varrer do mundo o que chamam de imperialismo americano.

MALUF
- Em tempos em que a guerra entre países tende a dar lugar a guerras de gente, movidas pela intolerância, pelo fundamentalismo e pelo radicalismo cego, celebrar, cantar e dançar a morte de um terrorista pode não ser a melhor forma de reação. Por mais que o defunto representasse até domingo o diabo vivo do mundo, comemorar morte e assassinato não deixa de ter um quê de medievalismo. E, assim como para os ditos civilizados a versão corrente do medievalismo é uma loura com chapéu de cowboy dançando e gritando, enrolada numa bandeira na Times Square aos gritos de "iúéssêi" (USA), para os fundamentalistas, o medieval customizado é um avião cheio de gente e combustível explodindo edifícios e seres humanos em nome de causas cegas. Diante dessa alegria e festa toda para comemorar a morte de Osama, se Paulo Maluf fosse americano certamente diria algo do tipo: mata, mas não comemora. Mesmo porque, pode ser cedo.

 
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 08 de maio de 2011, no jornal A Tarde, Salvador/BA. maluzes@gmail.com

domingo, 1 de maio de 2011

Teleanálise | "O senador e o búlingue"

Malu Fontes


Malu Fontes, professora e jornalista
Demorou, mas finalmente apareceu um senador com óleo de peroba o suficiente para dizer diante das câmeras de TV que os nobres parlamentares não suportam mais os sofrimentos que lhes são impingidos pela imprensa brasileira. Textualmente, e com pronúncia adaptada ao accent da boa Língua Portuguesa, não se sabe se por inabilidade verbal ou para agradar os puristas da Língua que vivem esperneando com o uso de termos em inglês na linguagem cotidiana e lhes surrupiar uns votinhos, o senador Roberto Requião, do Paraná, queixou-se na TV de que não aguenta mais o ‘búlingue’ (sic) que ele e seus colegas de vida política sofrem por parte da imprensa.  

No início da semana, o senador, ao ser questionado por um repórter sobre as razões pelas quais, em nome da necessidade de redução dos gastos públicos no país, não abre mão da pensão vitalícia de R$ 24 mil que recebe por ter sido governador do Paraná, teve um ataque de fúria: perguntou ao jornalista se este estava pensando em apanhar, arrancou o gravador de suas mãos e levou para seu gabinete. Só o devolveu após apagar a gravação do chip. Numa estratégia meio enviesada de se fazer um novo jornalismo à moda do Senado, Requião postou todo o conteúdo da entrevista em seu site, fato que usou como argumento a seu favor. Disse que só tomou o gravador e apagou o conteúdo antes de devolver porque não confia nas versões da imprensa sobre suas falas e não queria que suas declarações fossem editadas e adulteradas. Contumaz em indelicadezas, Requião argumentou no dia seguinte que agiu assim porque perdeu a paciência com o bullying que sofre de uma imprensa que faz perguntas encomendadas: “Temos que acabar com o abuso, o búllingue (sic) que sofremos, não só eu, mas meus colegas e a sociedade brasileira, nas mãos de uma imprensa provocadora e irresponsável”. Isso não foi dito por um ator em um programa de humor, mas por um senador da República, com veiculação na edição de terça-feira do Jornal Nacional.

PALHAÇO – Diante das proporções que a repercussão do caso ganhou, com o jornalista dando queixa na Polícia Federal, o presidente do Senado, José Sarney, exerceu com talento o seu papel de Pilatos ao dizer que não vira nada demais no comportamento do colega. “Isso não deveria ter acontecido, mas é um caso isolado. Temperamento, cada um tem o seu”. Ah tá. Como dizem os cariocas: senta, Cláudia. Ainda sobre o ato de arrancar o gravador do repórter, Requião filosofou, lacônico: “Há momentos em que a indignação é uma virtude”. Para quem não sabe, Requião preside a Comissão de Educação do Senado. E o povo cheio de atitude das redes sociais acha escandaloso mesmo é o fato de o palhaço Tiririca integrar, como reles membro ordinário, sem poderes, a comissão equivalente na Câmara dos Deputados.  

A cereja desse bolo é a desfaçatez com que um senador, que vive de salário público, tem contas a prestar ao cidadão brasileiro que o remunera (e bem, e duplamente, como parlamentar e como ex-governador) dá-se ao cinismo de declarar de forma arrogante que não confia na imprensa para transformar suas declarações em informação e que, por isso, decidiu arrancar a força um gravador de um repórter e veicular, ele mesmo, a entrevista bruta. O caso deixa escancaradas, por baixo, duas janelas interpretativas. A primeira é que boa parte do Congresso Nacional, embora seja eleita pelo voto popular e viva falando das maravilhas da democracia, na verdade não passa de um conjunto de viúvas da ditadura, que dariam a mãe para proibir a imprensa de dizer um A que não fosse favorável a seus egos deformados e autoritários.

SUL DO CORPO – A segunda janela, o outro aspecto que veio à tona no episódio Requião, é a velocidade avassaladora com que o conceito de bullying vem sendo banalizado e vulgarizado. Todos os comportamentos torpes, violentos e autoritários, das tragédias a pequenos crimes e agora as reações desequilibradas de políticos passam a ser atribuídos a meras reações ao bullying. O fato de tudo ser considerado consequência de bullying representa o risco de, dentro de pouco tempo, desgastar tanto o fenômeno a ponto de ele não mais ser levado a sério nos casos em que, de fato, promove violência e interfere na vida e na saúde psíquica de quem dele é vítima real. Se um senador autoritário e já dado antes a espasmos de agressividade verbal e física acha-se no direito de se considerar vítima da imprensa, o que dizer da sociedade brasileira dos seus representantes políticos, que lhes impingem toda a sorte de desrespeito e continuam a usufruir de todas as benesses que o poder mal exercido pode proporcionar?
 
Nas bandas de cá, nos domínios internos da terra da felicidade, a Bahia de Todos Nós, o fato midiático de maior relevância durante a semana foi a negociação entre o governador do estado, Jaques Wagner, e uma empresa de lâminas de barbear, interessada em arrancar-lhe a barba em uma estratégia de marketing que já depilou o líder do Chiclete com Banana, Bell Marques, no Carnaval deste ano. A ideia brilhante foi do reunidor de ricos em complexos hoteleiros de luxo para cuidar da pobreza órfã, João Dória Júnior, o mauricinho oficial do bom mocismo entre as celebridades brasileiras. 

A cotação da barba do governador baiano, diz-se que cultivada há 30 anos, foi muito mais baixa que a do cantante do axé, cujo cachê foi especulado em torno de um milhão e meio, ao passo que Wagner receberá 500 mil para serem investidos, anuncia-se, pelo Instituto Ayrton Sena em projetos sociais na Bahia. As criancinhas pobres devem ser instadas a agradecer, mas os adultos de bom senso sabem que não era preciso se chegar a tanto para arrecadar essa quantia não fosse o efeito midiático que factóides desse tipo têm hoje. Se a moda pega, as moças do poder e da fama, da Bahia e alhures, logo logo terão suas tabelas de preço anunciadas para extirpar os pelos ao sul do corpo.


Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 01 de maio de 2011, no jornal A Tarde, Salvador/BA. maluzes@gmail.com