Esta semana Avenida Brasil chegou
ao 100º capítulo levando ao ar uma trama que há muito não prendia tanto o
telespectador, ancorada em ganchos sucessivos e não deixando saudades do tempo
em que o público de novelas tinha que esperar 180 capítulos para ver o desfecho
central se realizar ou para ver um mistério anunciado no primeiro capítulo ser revelado.
Do lado de cá da tela, no caso do telespectador de Salvador, outros 100
capítulos sem nenhuma atratividade e nenhum desfecho também foram ao ar na
mesma semana: a greve dos professores da rede pública estadual, há 100 dias
fora da sala de aula.
BISPO - Enquanto
em Avenida
Brasil Adriana Esteves vem dando um banho de interpretação,
sobretudo em se tratando da TV, um veículo que deixa pouquíssimo espaço para o
ator crescer em seus personagens a ponto de explodir em talento numa tela tão
pequena, na chanchada da greve baiana não houve espaço para outra coisa senão
para a explosão do grotesco. Do lado do Governo, além do já tradicional modus operandi lentíssimo do governador
Jaques Wagner de só negociar conflito quando nem mesmo o bispo, literalmente
(no caso, o Cardeal Arcebispo Primaz de Salvador, Don Murilo Kirieger, que
sempre tenta ajudar em negociações entre grevistas e Governo do Estado) suporta
mais tanto imobilismo, mais duas cenas grotescas marcaram essa greve para nunca
mais saírem da história da (péssima) educação na Bahia.
SHOW - A
primeira partiu do próprio Governo, que parecendo acreditar que educação e fast food são uma coisa só, deu a deixa
para que a população incorporasse em seu repertório uma expressão ímpar:
professor de ponta. Não, não se fala de cornos, chifres ou algo do gênero, como
inicialmente a expressão sugere, mas de uma suposta elite eleita por um
professor-empresário- privilegiado cuja empresa foi contratada pelo Estado por
milhões, sem licitação, para que seu dono pagasse uns caraminguás pequenininhos
a professores tidos pelo próprio ‘professores de ponta’ e os colocasse para dar
uns aulões, aulas do tipo que qualquer pessoa de bom senso acha uma ribanceira
intelectual: juntar trocentos alunos em grandes espaços, como ginásios de
esportes e conchas acústicas e oferecer-lhes como aula substitutiva às
interrompidas pela greve uns tais aulões. Os cursinhos estão cheios desses
aulões, né? Professores cantam, rebolam, dão show e, nos vestibulares que
importam os alunos dançam. Ou são aprovados nas faculdades capengas e 10 anos
depois não conseguem ter uma carteira da OAB porque mal sabem ler e escrever.
NINA COVER
- Quando o Governo parecia ser o único dono da cereja do bolo, por vender aos
alunos das escolas em greve bugalhos (estrelados por professores de ponta) por
alhos, dando-lhes aulões ao invés do processo educacional que a Constituição
garante, foi a vez de uma professorinha sem talento resolver incorporar a
Carminha má da greve, transformando uma auxiliar de limpeza da Assembléia
Legislativa em uma Nina
cover atirada ao lixão da ofensa. A senhorinha letrada (sim, já não era nenhuma
jovem inexperiente imberbe) achou por bem acocorar-se no chão de um dos
banheiros da Assembléia e jorrou com gosto sua uréia, mesmo com dois sanitários
com vaso branco, água limpa e portas bem à sua frente. Flagrada em cena tão
educativa por auxiliar de limpeza, que lhe questionou a razão do ato, dona
professora não titubeou. Disse-lhe, com ares de quem se sente a bala que matou
Kennedy, que fez, sim, o nº 1, e se a moça a importunasse, ela iria fazer o nº
2. Disse mais: a auxiliar teria obrigação limpar os dois, pois quem mandou não
estudar?
SENTA LÁ
- No mesmo dia em que o depoimento em vídeo da auxiliar de limpeza com esse
conteúdo assombrava em alguns telejornais de Salvador, a Globo local exibiu uma
entrevista com um aluno da rede pública, há 100 dias sem aula. Perguntado sobre
o que estaria fazendo nesse período, o garoto resumiu sua condição no que se
refere àquilo que o estado lhe oferece. Disse que ficava olhando o caderno, com
a mente vazia. Resumo da ópera: na Bahia, bem remunerado pelo Estado é o
professor de ponta, professora faz nº 1 e nº 2 no chão de órgão público e
considera que auxiliares de limpeza são subalternas e têm obrigação de limpar
seus detritos e os jovens, se depender da educação que recebem, não passarão de
zumbis com mentes vazias. E os marxistas embolorados certamente acham que a
culpa disso tudo é da Carminha global, que aliena as massas e não as estimula a
pensar e a emprenhar a mente. Ah, tá. Senta lá, professor de ponta.
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e
Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 22 de julho
de 2012, no jornal A Tarde, Caderno 2, p. 05, Salvador/BA; maluzes@gmail.com
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