domingo, 13 de fevereiro de 2011

Teleanálise: Pin Ups Descartáveis e Espelhos Tortos no BBB

Malu Fontes, professora e jornalista
Malu Fontes

O jornalismo esportivo e, diga-se de passagem, com um empurrão e tanto da televisão, corticalizou nos consumidores de informação esportiva, a ideia do ex-jogador Edmundo como sinônimo de "Animal", assim com A maiúsculo mesmo. Sim, é bom desmontar a máscara da hipocrisia e lembrar que a cada carro que Edmundo batia, sequelando ou matando gente, a cada grosseria, palavrão ou agressão física encenados por ele, dentro ou fora do mundo dos gramados, um determinado tipo de público de fato ensaiava um aplauso ao rotulá-lo de animal. Ou seja, era uma forma quase carinhosa de sua torcida de dizer, ao mesmo tempo, que, justamente por ser do tipo bad boy, ele era "o cara" daqueles tempos idos.

Os bad boys do futebol sempre foram uma fôrma e tanto para gerar para o mundo da mídia e para os programas populares de TV, desses que morrem de inanição se não tiverem em sua pauta onze baixarias a cada dez atrações exibidas, as moçoilas até hoje conhecidas como Marias Chuteiras. Graças a um espermatozóide extraído do "Animal", com a mesma técnica e eficiência com que o Brasil jactou-se de ter feito igualzinho com Mick Jagger, uma dessas moiçolas se consagrou como uma das bem sucedidas de sua época, dessas que migram com uma flexibilidade admirável dos estádios para as orgias dos queridinhos da bola, daí para musa de uma escola de samba e disso para as revistas masculinas do tipo A para C, E até chegar ao Z. Fala-se aqui de Cristina Mortágua, uma das principais pin ups do circuito futebol, escola de samba, revistas de nudez e programas de TV que só não se assumem como trash oficialmente porque nunca conseguirão aprender e gravar o que significa isso.

BESUNTADA - O fato é que as meninas que ascenderam e acenderam na vida fazendo a trajetória de Mortágua andam meio fora de moda desde que a própria televisão inventou uma fórmula de produzi-las ela mesma em série e em safra suficiente para o ano todo. E por mais de uma emissora: os realities shows. O canto do cisne da decadência de Mortágua, a pin up do Animal, foi um ensaio fotográfico recente que tinha tudo para ser vendido como vomitífugo: para matar as saudades do  tempo de capa de revista, Cristina posou seminua e besuntada de óleo, com direito a peitos de fora e beijo na boca, tendo como par erótico ninguém menos que o próprio filho tido com (e desde a gravidez rejeitado por) Edmundo.

Esta semana, Mortágua, com cara e performance de quem homenageava a avó malvada e nojenta da "Quiara" de Mariana Xinenez em Passione, voltou a ser manchetinha e noticinha nos jornais, sites e programas bizarros de TV. Foi presa por espancar o filho, sim, o mesmo do ensaio fotográfico que, na categoria freak no Brasil, tem vaga garantida como hors concours. A razão do espancamento: a homossexualidade do garoto. Ele precisou da ajuda da empregada para ir até a delegacia dar queixa da mãe, que, chamada pela Polícia, não apenas bateu mais no filho como agrediu a delegada. Foi presa.

TRAMINHAS- Todos os lugares do mundo produzem ou importam suas pin ups sedutoras ou decadentes. É bem verdade que talvez ninguém prescinda mais delas que o burlesco Silvio Berlusconi. A propósito, o que era a boca daquela brasileira, "modelo e amiga de Berlusconi", entrevistada pela repórter papal Ilze Scamparini um domingo desses no Fantástico?!  Mas, deprimente mesmo, sobretudo para as mulheres, é ver esses tipos femininos sendo literalmente construídos nos realities da televisão brasileira e dali para as capas das revistas masculinas e delas para eventos duvidosíssimos.

O que são aqueles diálogos do Big Brother? O problema com os meninos e as meninas dos BBBs, das Fazendas e que tais não é de ordem moral, e sim em função do tamanho e do perfil de uma boa parte da audiência. Simone de Beauvoir escreveu que ninguém nasce mulher. Torna-se, aprende-se. O que o público feminino pré e adolescente acha que é uma mulher quando consome, entre a admiração e a vontade de imitação, a imagem, o repertório e o comportamento das meninas inacreditáveis do BBB? A que aquelas moças convidam suas fãs ainda em formação da personalidade? E idem para os garotos da mesma idade, com os espelhinhos tortos dos tipos masculinos nos mesmos programas?  Só que, a favor dos meninos, parece pesar o fato de eles aparentemente demonstrarem muito menos saco para acompanhar as traminhas tatibitate desses programas que as meninas.
LIXO - O BBB é um fenômeno exclusivamente brasileiro, no que tem de potencial de inspiração torta para o público imberbe e até para aquele já nem tanto? Não. Mas certamente em nenhum lugar do mundo seus participantes sejam guindados, na escala em que o são no Brasil, à condição de estrelas, de ‘artistas’, junto à boa parte da audiência. A ironia está na forma como as mesmas emissoras que os criam os representam em seus produtos dramatúrgicos. Para quem tem dúvida da descartabilidade do prestígio angariado pela quase totalidade dos homens e mulheres que estrelam o BBB, basta dar uma espiadinha na caricatura do seu estrelado metaforizado na personagem de Débora Seco em Insensato Coração. Aquele é o futuro mais previsível das estrelas efêmeras que a TV produz em um dia para macerar no outro já como lixo descartado.

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado em 13 de fevereiro de 2011 no jornal A Tarde, Salvador/BA. maluzes@gmail.com 

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