domingo, 20 de fevereiro de 2011

TELEANÁLISE: A Biologia Ainda Ri da Panacéia

Malu Fontes
Malu Fontes, professora e jornalista
Um dos fatos mais abordados pelo jornalismo brasileiro durante a semana, em todas as mídias, foi o anúncio da despedida de Ronaldo, “O Fenômeno”, dos campos de futebol. Horas de telejornalismo esportivo, links incontáveis em sites e portais de todo o mundo e manchetes de jornais em todos os idiomas foram usados para elogiar o percurso de um atleta considerado um dos mais brilhantes e talentosos de sua geração e, de modo subliminar, para jogar areia no discurso pirlimpimpim acerca dos milagres hoje anunciados em todos os meios massivos de comunicação que garantem a eternização da juventude e do vigor físico.  
 
INVERDADES - As manchetes que anunciavam a retirada de campo de Ronaldo dividiam-se entre a abordagem do encerramento da carreira em si e a frase de efeito dita pelo atleta, cujas palavras para justificar a decisão de parar de jogar foram: “eu perdi para o meu corpo”, acrescentadas de lamentos sobre a tristeza que é para um atleta elaborar mentalmente uma estratégia de jogo e o corpo não mais conseguir obedecer e executá-la. Para dar tons mais romanescos ao seu canto do cisne da bola, tentou introduzir um tantinho de culpa na imprensa que há tempos vem fazendo troça do seus 100 quilos. Atribuiu o sobrepeso ao fato de sofrer de hipotireoidismo, uma deficiência do organismo que retarda a velocidade do metabolismo e dificulta a perda de peso.
 
E Ronaldo foi mais longe: não poderia, mesmo se quisesse, medicar-se contra isso, pois a medicação seria apontada como doping. Que Ronaldo foi um atleta genial, é verdade, mas as duas afirmações são inverdades, como costumam dizer as raposas da política quando querem dizer que seus nobres colegas mentem. O médico do Corinthians, nem bem as palavras do ídolo pululavam nos sites, desmentia-as. O hipotireoidismo de Ronaldo era latente, ou seja, ainda assintomático, sem manifestação no corpo, e a legislação internacional esportiva estabelece e garante que, para que um medicamento ingerido por um atleta deixe de ser considerado doping basta que sua necessidade médica de uso seja comunicada às instituições esportivas por vias oficiais. E são os médicos que o acompanhavam que dizem isso.

CARTAS - Entretanto, para além das razões e limitações físicas que obrigaram Ronaldo a deixar o futebol e também para além do draminha de deixar o consumidor de informação e os jornalistas de um modo geral atirando-lhe um punhado de culpa sob a alegação do hipotireoidismo e do desafio de não poder ser acusado de doping, o fenômeno substantivo que vem à tona com a impossibilidade física do Fenômeno adjetivo continuar jogando futebol profissionalmente é a máxima de que, apesar da panacéia decantada por múltiplos setores do mundo da técnica e da ciência contemporâneas em torno do retardamento da velhice e do prolongamento da juventude e do vigor físicos, ainda é a velha, ancestral e poderosa biologia quem continua dando as cartas.

Se fossem verdadeiros os milagres prometidos pela ciência e, sobretudo pela medicina estética, e se fossem reais as promessas feitas pelos manuais que vendem como pão quente ensinando a todos (e, sobretudo a todas) como se manter sempre jovem e a não morrer nunca, a não ser que o mortal seja um incompetente desobediente ou sem dinheiro para comprar os kits de longevidade e boa forma, não se veriam atletas poderosos derrotados pelo corpo nem mulheres se tornando de uma feiúra e deformidade obscenas por introduzir no corpo qualquer elemento ou ingrediente que prometa juventude. As dores que tornam uma escada de casa difícil de ser subida por Ronaldo, entre a sua sala de estar e o quarto, e que o impedem de jogar futebol profissionalmente, são as mesmas marcas do tempo e da imposição biológica que tornam as mulheres brasileiras e americanas as mais insensatas do mundo na arte da deformação da própria imagem.

RONALDAS - Como “Ronaldas” decadentes e teimosas que querem continuar acreditando que são fenomenais e ainda batem um bolão estético, as mulheres acima dos 40 anos com qualquer centavo no bolso multiplicam-se nos espaços sociais espantando quem as olhas. Aos 60, pensam que compram, sob a forma de botox, plásticas e silicones, aparência de mocinhas de 25. Lipoesculturadas e com cinturas recém construídas em sessões ‘carésimas’ de lipoescultura, até enganam de costas, a não ser por algumas protuberâncias subcutâneas aqui e acolá ao longo da superfície das costas, assemelhadas à doença das vacas chamada de berne, que ficam como a marca indesejada da cânula do lipoescultor que lhes sugou a gordura sobrante. Mas, o pior dos cenários, é quando uma dessas mocinhas pós-50 viram-se subitamente de frente, estampando a visão do inferno ao sonhador masculino que a acompanhava a rebolar numa calça skinny e ostentando um top justo.

Diante da crescente dificuldade feminina que se percebe nos cenários sociais mais privilegiados de envelhecer corpo e rosto com alguma dignidade, vale indicar a esse contingente em processo de metamorfose à base de toxina botulínica e silicone o exemplo de Ronaldo. Aos 65, nenhuma mulher vai poder parecer ter 30. O máximo que se consegue é um arremedo de remendos, um corpo envelhecido emulando uma juventude que já foi, ou seja, uma velha caricata, assustadora e que chama muito mais atenção pelo aspecto grotesco do que pela manutenção dos traços joviais que acredita estar comprando. Como Ronaldo de certa forma disse, o tempo é inexorável (e inechorável também).  O tempo sobre o corpo, de homens e mulheres, ainda é soberano e a biologia ainda ri da panacéia que promete o apagamento das marcas do envelhecimento. Todos ainda somos derrotáveis em nossa juvenília, tanto o Ronaldo que admite essa derrota quanto as Ronaldas vencidas que a renegam a qualquer custo.

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado em 20 de fevereiro de 2011 no jornal A Tarde, Salvador/BA. maluzes@gmail.com 

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