terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O dia em que a Bahia não parou*

Malu Fontes

*texto publicado na revista da metrópole n. 03
 

Malu Fontes, professora e jornalista
Qualquer vidente de esquina apostaria que o dia do velório do senador Antônio Carlos Magalhães seria uma data ímpar na Bahia, especialmente em Salvador, com uma romaria de correligionários nas ruas, herdeiros políticos, populares, fanáticos e, por que não dizer, um batalhão de "admiradores" arregimentados por seus seguidores políticos. Ou todo mundo acredita que aquela multidão que chegava em centenas de ônibus lotados ao funeral de Luís Eduardo Magalhães, em 1998, na Assembléia Legislativa, era formada exclusivamente por um eleitorado voluntário, por um público absolutamente espontâneo? Os jornais de todo o país noticiaram que 60 mil pessoas acompanharam o funeral de Luís Eduardo. O comércio fechou e os ônibus circularam de graça, para que mais gente comparecesse.

Os tempos eram outros e, de prefeitos a vereadores de toda a Bahia, de deputados estaduais e federais ao próprio governo do estado, passando por empresários e diretores de escolas públicas, muitos foram aqueles que trabalharam duramente para encher tantos ônibus e dar aos funerais do príncipe hereditário a dimensão popular que teve. E vale lembrar que tudo aconteceu em pleno dia útil, uma sexta-feira.

TOTEM - Quase uma década depois, o totem político cuja força fez da morte e do velório do filho o evento que foi, com direito a Memorial de grandes dimensões em meio a uma das principais avenidas da cidade, que mobilizou o Congresso Nacional para mudar o nome do então Aeroporto Dois de Julho, já não tinha, quando da sua própria morte, quem agisse e trabalhasse para dar ao seu próprio velório os contornos que sempre se anunciaram na Bahia.

Quando morreu, Antônio Carlos Magalhães, o maior fenômeno político do século XX na Bahia,  já não tinha a seu favor o poder de outrora. E, conseqüentemente, já não tinha ao seu lado o exército de bajuladores, aqueles que se denominavam aliados ou admiradores e antes, em nome da   veneração de conveniência, o tratavam como o grande pai, praticamente como o inventor da Bahia. O resultado dessa mudança estatutária do poder que antes exercia, confirmada com carimbos de cores fortes com a derrota do seu candidato ao governo do estado nas últimas eleições, foi o que se viu nas ruas de Salvador no funeral do senador.

O FATO E A VERSÃO - A verdade é que, diante do que se esperava, no curto trajeto por onde passou o cortejo - do Palácio da Aclamação, nos Aflitos, até o Campo Santo, na Federação – o que se viu foram poucos "correligionários", quase nenhuma grande fortuna baiana dessas que se fizeram, inclusive, sob as gestões políticas do carlismo nessas quatro décadas, a desaparição absoluta da claquete da Axé Music que encheu as burras de dinheiro com os carnavais de cachês superfaturados sob as bênçãos da Emtursa e Bahiatursa e poucos políticos poderosos, que, por via das dúvidas, preferiram seguir o cortejo em carrões top de linha, com vidros escuros e devidamente fechados, claro.

Houve povo no enterro do senador? Houve, mas em uma quantidade absolutamente decepcionante para o que sempre se especulou. Quem nunca ouviu alguém dizer que, quando ACM morresse, seria feriado na Bahia? Nem precisava, se a intenção do feriado decretado era o de inflacionar o público, pois o funeral se deu em um sábado, dia em que muito mais gente estaria disponível para ir a um velório. No entanto, sob a cobertura das emissoras locais de TV, a impressão que se tinha era a de que, em televisão, é a mais pura verdade que uma coisa é o fato, outra coisa é a versão. E a segunda sempre parece mais importante que o primeiro. Tudo pode ser recontado, editado, moldado, enquadrado, de forma a ampliar ou reduzir o impacto e a dimensão do fato, de acordo com a vontade e os interesses daqueles que o veiculam. Nas TVs baianas, o velório de ACM foi o que sempre se esperou que fosse: um fenômeno popular sem precedência.

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