sábado, 28 de julho de 2012

Teleanálise | "Batman e o vizinho: Hasta la vista, baby"

Malu Fontes

Durante a semana, notícias tendo como elemento central a banalização da morte nortearam as principais manchetes dos telejornais internacionais, nacionais e locais. Sim, esses fenômenos são uma constante no jornalismo, mas aqui e acolá episódios nos quais essa banalidade se manifesta os hierarquizam de tal modo numa ordem de horror e non sense que ainda surpreendem. Partindo do global para o local, nos Estados Unidos, no estado do Colorado, na cidadezinha de Aurora, uma plateia de batmaníacos esfregava as mãos de ansiedade para uma sessão de estreia do filme à meia noite, quando, no escuro, irrompeu o imponderável. Uma saraivada de tiros. 12 mortos, 58 feridos e um país de novo boquiaberto.
MARKETING - Num país, os EUA, onde todas as naturezas de ações de marketing são possíveis, numa cultura local do culto às armas de fogo na qual qualquer moleque consegue comprar um arsenal de guerra sem qualquer dificuldade e numa sucessão de casos em que adolescentes ou adultos jovens perturbados já inscreveram uma longa história de violência, primeiro achou-se que os tiros não passavam uma ação de marketing associada à estreia. Depois, houve uma correria às lojas de armas da cidade para comprar mais e mais exemplares delas e, simultaneamente, a imprensa do mundo repetiu a pergunta que faz sempre e para a qual nunca se tem resposta objetiva e diante da qual todas as especulações malucas disputam um lugar entre as possibilidades de explicação: por que esse fenômeno se repete tanto nos Estados Unidos e como evitá-lo, já que a população não abre mão do seu culto quase passional às armas e à liberdade de comprá-las sem restrições?
RATO - No Brasil, a Polícia Militar de São Paulo chocou o país ao executar (pelo menos) dois inocentes: um publicitário que não parou o carro à noite quando ordenado a fazer isso e um jovem que fugiu com medo porque a carteira de habilitação estava vencida. Além disso, matadores que não se sabe quem vêm barbarizando na cidade nas últimas semanas, executando e chacinando sem que se saiba de quaisquer razões e desfechos para tais crimes. Num outro episódio noticiado na imprensa internacional, um jovem italiano que chegou à mesma São Paulo em um dia, para morar e trabalhar, foi assassinado no dia seguinte, numa tentativa de assalto frustrada no trânsito, em uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Veio para o Brasil e morreu como um rato perseguido por exterminadores dispostos a explodir o primeiro cérebro que encontram pela frente troca de um relógio ou um celular.
FASCÍNIO - Sim, o mundo, Brasil incluído, choca-se com jovens como o estudante de medicina James Holmes, o auto-intitulado Coringa da sessão noturna de Aurora, mas pouco se esforça para lembrar que a natureza da banalização da violência pode até ser de ordem diferente, mas a nossa é tão banal e brutal quanto. Quando contados os cadáveres de um em um, aqui mata-se/morre-se muito mais que lá. A Polícia Militar de São Paulo, por exemplo, mata mais que toda a Polícia dos Estados Unidos (e nos Estados Unidos). Por que o espanto com a matança dos outros é maior do que com a nossa, a doméstica incluída? Por que a matança de lá é a de um homem só, que, em surto assassino, revolve interromper a vida de dezenas? Aqui, de um em um, os matadores matam muito mais, enquanto o brasileiro olha horrorizado para a violência americana coletiva desses episódios, talvez porque encontre neles um quê de fascínio hollywoodiano. Violência é violência, assassinato é assassinato e cada país tem a sua forma banal de matar seus cidadãos. O que faz de James Holmes um sujeito mais assustador que um assassino anônimo que explode a cabeça de um motorista numa rua de São Paulo, querendo apenas levar um objetinho para casa? Lá é loucura e aqui é pobreza e desigualdade? Esses fenômenos não justificam a banalização da morte do outro. Nem lá, nem aqui.
VIZINHO - No terreiro local, uma quadrilha inicialmente descrita como formada por quatro jovens de classe média e um deles considerado rico em qualquer sociedade, divertiam-se roubando mansões num condomínio de luxo nos arredores de Salvador, onde cada uma das cerca de 400 mansões custam entre um e 10 milhões. Entravam no espaço privilegiado e supostamente protegido por grades, câmeras e seguranças graças ao apoio logístico de um dos integrantes da quadrilha, morador do oásis desde criancinha. A razão dos assaltos, que incluíam seqüestros relâmpagos e torturas psicológicas nas 10 famílias de moradores vitimadas desde 2011, era banal: gastar o dinheiro com noitadas. Segundo o delegado, os rapazes pagavam contas de até 15 mil numa única balada. Os rapazes negam os cálculos. Dizem que eram só cinco mil por noite, em média.
Lá e cá, portanto, o que há em comum na violência cometida é a gratuidade da ação, do comportamento de quem mata, tortura, violenta, persegue e achaca, Polícia Militar incluída. No caso dos condomínios horizontais de luxo, não deixa de ser curioso que 10 em cada 10 pesquisas feitas por pesquisadores do campo das ciências sociais apontam para um detalhe que deveria intrigar quem investe milhões nessas mansões em nome do sonho de viver feliz sob dois guarda-chuvas: a segurança e a liberdade. Um estudo recente feito por uma pesquisadora da Universidade de Brasília mostra por A mais B que praticamente a totalidade de atos delituosos, conflituosos e de insegurança registrados em condomínios tem como autoria os próprios moradores. A leitura dessas pesquisas deixaria boquiaberto quem sonha com os gramados, as crianças brincando com portas abertas e a confiança plena nos vizinhos nos condomínios de classe alta.
HASTA LA VISTA - A banalização do mal se concretiza quando se come uma pipoca no cinema e um sujeito arranca-lhe da poltrona para lhe matar; quando seu vizinho de porta do condomínio chama os amigos para lhe seqüestrar apenas em nome do desejo de sair para entornar 10 mil em uísque, como repetiram os telejornais de Salvador durante a semana. É como se esses sujeitos vissem nisso tudo uma brincadeira, como se quase piscassem o olho após cruzar a fronteira do intolerável e dissessem às suas vítimas, como vingadores ocos de um futuro bestial: ‘hasta la vista, baby’. E a referência aqui não é o disco homônimo do U2, mas puro Schwarzenegger.

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 29 de julho de 2012, no jornal A Tarde, Caderno 2, p. 05, Salvador/BA; maluzes@gmail.com





 

sábado, 21 de julho de 2012

Teleanálise | "Carminha, a professorinha e o professor de ponta"

Malu Fontes

Esta semana Avenida Brasil chegou ao 100º capítulo levando ao ar uma trama que há muito não prendia tanto o telespectador, ancorada em ganchos sucessivos e não deixando saudades do tempo em que o público de novelas tinha que esperar 180 capítulos para ver o desfecho central se realizar ou para ver um mistério anunciado no primeiro capítulo ser revelado. Do lado de cá da tela, no caso do telespectador de Salvador, outros 100 capítulos sem nenhuma atratividade e nenhum desfecho também foram ao ar na mesma semana: a greve dos professores da rede pública estadual, há 100 dias fora da sala de aula.
BISPO - Enquanto em Avenida Brasil Adriana Esteves vem dando um banho de interpretação, sobretudo em se tratando da TV, um veículo que deixa pouquíssimo espaço para o ator crescer em seus personagens a ponto de explodir em talento numa tela tão pequena, na chanchada da greve baiana não houve espaço para outra coisa senão para a explosão do grotesco. Do lado do Governo, além do já tradicional modus operandi lentíssimo do governador Jaques Wagner de só negociar conflito quando nem mesmo o bispo, literalmente (no caso, o Cardeal Arcebispo Primaz de Salvador, Don Murilo Kirieger, que sempre tenta ajudar em negociações entre grevistas e Governo do Estado) suporta mais tanto imobilismo, mais duas cenas grotescas marcaram essa greve para nunca mais saírem da história da (péssima) educação na Bahia.
SHOW - A primeira partiu do próprio Governo, que parecendo acreditar que educação e fast food são uma coisa só, deu a deixa para que a população incorporasse em seu repertório uma expressão ímpar: professor de ponta. Não, não se fala de cornos, chifres ou algo do gênero, como inicialmente a expressão sugere, mas de uma suposta elite eleita por um professor-empresário-privilegiado cuja empresa foi contratada pelo Estado por milhões, sem licitação, para que seu dono pagasse uns caraminguás pequenininhos a professores tidos pelo próprio ‘professores de ponta’ e os colocasse para dar uns aulões, aulas do tipo que qualquer pessoa de bom senso acha uma ribanceira intelectual: juntar trocentos alunos em grandes espaços, como ginásios de esportes e conchas acústicas e oferecer-lhes como aula substitutiva às interrompidas pela greve uns tais aulões. Os cursinhos estão cheios desses aulões, né? Professores cantam, rebolam, dão show e, nos vestibulares que importam os alunos dançam. Ou são aprovados nas faculdades capengas e 10 anos depois não conseguem ter uma carteira da OAB porque mal sabem ler e escrever.
NINA COVER - Quando o Governo parecia ser o único dono da cereja do bolo, por vender aos alunos das escolas em greve bugalhos (estrelados por professores de ponta) por alhos, dando-lhes aulões ao invés do processo educacional que a Constituição garante, foi a vez de uma professorinha sem talento resolver incorporar a Carminha má da greve, transformando uma auxiliar de limpeza da Assembléia Legislativa em uma Nina cover atirada ao lixão da ofensa. A senhorinha letrada (sim, já não era nenhuma jovem inexperiente imberbe) achou por bem acocorar-se no chão de um dos banheiros da Assembléia e jorrou com gosto sua uréia, mesmo com dois sanitários com vaso branco, água limpa e portas bem à sua frente. Flagrada em cena tão educativa por auxiliar de limpeza, que lhe questionou a razão do ato, dona professora não titubeou. Disse-lhe, com ares de quem se sente a bala que matou Kennedy, que fez, sim, o nº 1, e se a moça a importunasse, ela iria fazer o nº 2. Disse mais: a auxiliar teria obrigação limpar os dois, pois quem mandou não estudar?
SENTA LÁ - No mesmo dia em que o depoimento em vídeo da auxiliar de limpeza com esse conteúdo assombrava em alguns telejornais de Salvador, a Globo local exibiu uma entrevista com um aluno da rede pública, há 100 dias sem aula. Perguntado sobre o que estaria fazendo nesse período, o garoto resumiu sua condição no que se refere àquilo que o estado lhe oferece. Disse que ficava olhando o caderno, com a mente vazia. Resumo da ópera: na Bahia, bem remunerado pelo Estado é o professor de ponta, professora faz nº 1 e nº 2 no chão de órgão público e considera que auxiliares de limpeza são subalternas e têm obrigação de limpar seus detritos e os jovens, se depender da educação que recebem, não passarão de zumbis com mentes vazias. E os marxistas embolorados certamente acham que a culpa disso tudo é da Carminha global, que aliena as massas e não as estimula a pensar e a emprenhar a mente. Ah, tá. Senta lá, professor de ponta.
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 22 de julho de 2012, no jornal A Tarde, Caderno 2, p. 05, Salvador/BA; maluzes@gmail.com

sábado, 14 de julho de 2012

Teleanálise | "Por que opção de criança pobre ao trabalho é roubo ou prostituição?"

Malu Fontes

Diferentemente do ‘Na moral’, de Bial, anunciado com estardalhaço pela Globo como um programa inteligente e na prática um saco de vento chinfrim, o já consolidado Profissão Repórter, conduzido por uma das unanimidades da casa, Caco Barcelos, embora espremido na grade, pouco ou nada divulgado e sem tempo, sempre consegue em meio a todas as essas agruras, tirar leite de pedra. Duas edições recentes do programas foram aulas de bom jornalismo sobre temas invisíveis, aqueles que a imprensa pouco dá atenção e o telespectador menos ainda.  

Criança transportando carrinho na feira. Crédito: Reprodução G1/Profissão Repórter

Logo após a confissão do assassinato do empresário Marcos Matsunaga pela mulher, Elize, e com o propósito de evidenciar o quanto a cobertura de crimes passionais e de gênero, ou de quaisquer formas de violência doméstica, por parte da imprensa, obedece, sim, sempre, a vieses de gênero e de classe, o Profissão Repórter levou ao ar um programa sobre casos semelhantes e invisíveis na imprensa de homens e mulheres que mataram ou que morreram em circunstâncias de passionalidade semelhante e não mereceram uma linha nos jornais nem um segundo na TV. Ou seja, se os envolvidos são ricos, de classe média, brancos, famosos ou apenas se vivem em grandes centros urbanos e desfrutam de modos de vida privilegiados, a garantia de uma cobertura ampla, irrestrita e que dura dias nos telejornais é certa. Já se os envolvidos são homens e mulheres pobres que vivem como ratazanas escondidos na pobreza de suas vidas de quinta e habitando favelas aonde as câmeras não chegam ou em zonas rurais do chamado Brasil profundo, a televisão sequer toma conhecimento.
ESQUARTEJAMENTO - O tema desse programa específico era ilustrar quão dessemelhante é a cobertura dos crimes tidos como com grande potencial de midiatização e aqueles envolvendo casais miseráveis, independentemente do que dizia ou diz a legislação após a Lei Maria da Penha. Barcelos e seus pupilos mostravam que, na mesma semana do esquartejamento na mansão suspensa de luxo dos Matsunaga, inúmeras marias e josés pobres de marré deci na periferia de São Paulo também mataram e morreram em circunstâncias passionais. Mulheres pobres que mataram companheiros ainda mais lenhados mofavam nas delegacias encarceradas sem sequer terem tido ainda a possibilidade de contato com um parente e muito menos com um defensor público, já que advogado para ouvi-las e às suas razões nunca terão.
CASTANHA QUENTE - Outra edição digna de aplausos foi ao ar na última terça-feira, abordando o drama de milhares de crianças brasileiras que trabalham trocentas horas por dia para sustentar suas famílias, a si mesmas e sob o aplauso, principalmente da sociedade que as cerca. Um dos elementos que sempre chama àtenção nas abordagens jornalísticas sobre o trabalho de crianças é o bordão repetido por pais que defendem a importância do trabalho de seus filhos e, coincidentemente, também repetido por muita gente boa que vive muito bem e que não sabe o que é colocar seus rebentos para trabalhar descascando castanhas torradas ainda quentes, catando mariscos ou arrastando pesados carrinhos de compras em feiras livres, cenas comuns na infância pobre do Nordeste. Todos têm um argumento de defesa na ponta da língua: ‘ah, mas é melhor a criança estar trabalhando do que roubando, do que pegando no que é alheio ou se prostituindo’.
Ora, como bem enfatizou o Profissão Repórter da última terça, quem foi que estabeleceu esta lógica perversa segundo a qual toda e qualquer criança pobre só tem essas duas escolhas: o trabalho ou o roubo, no caso dos meninos, ou a prostituição, no caso das meninas? O discurso, incorporado acriticamente pelos pais, para quem colocar os filhos para trabalhar nos primeiros anos de vida é prêmio e proteção, não permite compreender que crianças tratadas com normalidade pelo mundo não precisam trabalhar cedo e nem por isso se tornam ladrões nem prostitutas. Vão para a escola.
 
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 15 de julho de 2012, no jornal A Tarde, Caderno 2, p. 05, Salvador/BA; maluzes@gmail.com

domingo, 8 de julho de 2012

Teleanálise | "Na moral? Desligue a TV e vá ler um livro. Mas volte."

Malu Fontes

Nas últimas semanas, não apenas o telespectador, mas o leitor de jornais, de sites, o dono de qualquer conta de e-mail, usuário de redes sociais e qualquer brasileiro que não esteja em Marte vem sendo bombardeado com saraivadas de informação emitidas com potência de míssil publicitário pela Rede Globo sobre as estreias de Gabriela, Fátima Bernardes e Pedro Bial. A divulgação é tão massiva que o público fica sabendo delas mesmo involuntariamente, mesmo que não tenha o menor interesse em ver tais atrações. E a Globo, quando se trata de jornalismo de umbigo, ou seja, de transformar em pauta seu próprios produtos, é mais eficiente que milagreiro.


Programa "Na moral", que estreou na Globo no último dia 5. Foto: Artigolandia
SACO DE VENTO - Nesta quinta, Bial estreou o seu “Na Moral’, anunciado aos quatro ventos como um programete cabeça, para discutir em profundidade temas decolados e com convidados e atrações idem. A primeira edição foi um assombro do que a TV é capaz de dizer e fazer para convencer o público médio de que usa verniz quando, na verdade, oferece madeira de demolição corroída de cupim. O programa, antes de tudo, exige uma maratona de teimosia do público, pois, para chegar a ele, era preciso esperar as peripécias peripatéticas do casamento do parlapatão Cadinho em Avenida Brasil, passar pela Grande Família, arranhar os ouvidos com a baianidade caricata prosódica do elenco de Gabriela e finalmente deparar-se com o saco de vento de Bial.
NO PAU DO GATO - Dizendo-se um programa de debate, Na Moral é, como se deve esperar de debates na TV aberta, pílula de farinha fast food disfarçada de conversa cabeça. Na estreia, o programa já disse o quanto está disposto a brincar de circo. Num tapete com ares de persa fake da 25 de março, colocou um elenco improvável mas apropriadíssimo para esse tipo de atração: um professor de filosofia, Luiz Felipe Pondé, hoje o intelectual mais badalado da mídia eletrônica e de revistas ditas antenadas, e já chamado no Twitter de Caco Antibes da filosofia, por suas posições arrasadoras sobre o politicamente correto e sobre tudo o que diz respeitos aos ditos fracos e oprimidos. Ou frascos e comprimidos, como prefere Rita Lee; uma gostosa, desbocada e decotadíssima, Maria Paula, agora se reivindicando psicóloga, com nada a dizer sobre tudo a partir do seu batom carmim (a sua pérola da noite foi confessar que, ao invés de cantar ‘atirei o pau no gato’, prefere mesmo é se atirar no pau do gato (sic)) e um professor com trejeitos de cientista maluco para fazer exatamente o papel do freak circense: Antonio Carlos Queiroz, o autor da Cartilha do Politicamente Correto, segundo ele censurada pelo então presidente Lula. Queiroz usava uma boina quadriculada que não ficaria bem na TV nem na cabeça de um inglês com cachimbo e parecia, com uma caneta baratinha na mão, estar em cima de um caixote na praça, vociferando contra os impropérios cometidos contra Tia Nastácia, o Saci e não sei mais quem.
Aliado a isso, Alexandre Pires bancando um DJ que não tocava nada, instalado num cenário hype, ilustrado com grafismos, objetos vintage e um livro vermelho de arquitetura, para dar um ar descolado, claro. Ah, e tinha ainda um ineditismo: a primeira platéia completamente muda da TV Brasileira. Mas é preciso confessar: mesmo muda e imóvel, fica mil vezes melhor na fita que a espalhafatosa e inacreditável platéia collor block desocupada de Fátima Bernardes. Já Bial, cada vez que aparecia e começava a falar em close, dava a nítida impressão que iria anunciar com os teasers de sempre o eliminado do dia do BBB. E o mais engraçado: com tanta gente e um assunto anunciado como tão sério, a ditadura do politicamente correto e o assédio sexual e moral no trabalho, o tempo era inexistente: meia hora. Descontado o tempo dos intervalos comerciais, o tempo de um cochilo, já que passava da meia noite.
AÇOUGUE - Sim, na TV aberta, a receita para um debate profundo e cabeça é juntar uma fauna, um apresentador fazendo o tipo gatão de meia idade, durar meia hora, não deixar ninguém dizer nada que ultrapasse a faixa dos segundos e terminar como tudo termina na cultura de massa: no mercado das carnes. Ao final, atores vestidos de macaco e um açougue de mulheres de biquínis exíguos, metros de bunda, trocentos mililitros de peitos e coxas que fazem as mulheres horti-fruti parecerem sílfides, pagodeavam rebolizantes no vídeo.
O melhor do primeiro Na Moral foi a deixa possibilitada pela trilha sonora de encerramento. Os créditos do programa subiram ao som de Falcão, o ícone pop do brega kitsch, entoando ‘homem é homem, menino é menino e viado é viado”. É mesmo. E TV é TV, entretenimento em pílulas aceleradas que divertem anunciando que debatem. Quer debater ou aprender alguma coisa? Recupere o mantra engraçadinho que a MTV tinha há tempos: desliga essa TV e vai ler um livro. Mas volte, pois, na moral, quem gosta de profundidade é escafandrista ou os interessados nas técnicas de propulsão do Pré-Sal.

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 07 de julho de 2012, no jornal A Tarde, Caderno 2, p. 05, Salvador/BA; maluzes@gmail.com