Malu Fontes
A afirmação deste título não é literal. Em princípio é um arremedo tomado emprestado
do título quase homônimo do livro de contos do escritor paulistano Ferréz:
ninguém é inocente em São
Paulo, sobre a guerra social e a violência vividas nos
arredores do Capão Redondo, na periferia da capital paulista. Depois, a
Brasília deste título não é a Brasília literal, não envolve os brasilienses que
tocam suas vidas como todo e qualquer cidadão brasileiro. Refere-se, portanto,
ao núcleo duro que dá as cartas do poder político do país, a aqueles que decidem
como a máquina administrativa brasileira faz tocar a banda no resto do
país.
Há sucessivas semanas, a imprensa brasileira não fala em outra coisa
senão no escândalo envolvendo a quadrilha de Carlinhos Cachoeira. Desde o
mensalão não se via tanto cachorro grande envolvido num escândalo político e
sendo citado todos os dias em tudo o que é telejornal, em gravações para lá de
constrangedoras. Mas não deixa de ser curioso que, diante de acordos criminosos
dessa natureza, os detentores de cargos políticos (deputados, senadores,
governadores) ainda continuem sendo apontados pela população brasileira como os
protagonistas exclusivos desse tipo de estripulia com o dinheiro público.
TUBA DO BICHEIRO – A imprensa
está aí todos os dias escancarando, embora a maioria dos leitores,
telespectadores, cidadãos, enfim, resistam bravamente em enxergar, que é
impossível existir corruptos sem que existam corruptores do mesmo
quilate. Neste aspecto, as esteiras de crimes desfiladas diariamente nos
telejornais brasileiros locais e nacionais, de um lado sobre casos de violência
urbana praticados por grandes quadrilhas organizadas e, por outro, sobre
grandes golpes envolvendo corrupção, têm algo em comum. Assim como nas
organizações criminosas que protagonizam casos de violência quase sempre
existem policiais envolvidos, nos casos de corrupção invariavelmente está a
presença ostensiva e endinheirada de empresários dispostos a tudo para corromper
representantes do poder público.
JORNALISTAS - Do
episódio Carlos Cachoeira, que de Goiânia comprava o Brasil, passando por
congressistas de pelo longo a pelo nenhum, empresários, grandes construtoras e
até mesmo jornalistas de alta plumagem de veículos renomados, aos quais o
bicheiro dava de bandeja gravações clandestinas cheias de segredo sobre gente
poderosa, emerge a cada dia um personagem novo. Se no princípio da coisa era
apenas o senador Demóstenes Torres a surpreender seus eleitores que, de uma
hora para a outra, viram que a nudez do paladino da ética no Senado ia muito
além da careca, o fato é que, de lá para cá, não para de sair gato da tuba de
Cachoeira.
Esta semana foi a vez de entrar na cena do angu o empresário, construtor
e novo rico Fernando Cavendish, amigo tipo unha e cutícula do governador do Rio
de Janeiro, Sérgio Cabral, do PMDB, partido que, sob a indicação do maestro
Renan Calheiros, dará parte generosa das cartas na CPI que vai investigar as
teias de Cachoeira e suas relações com o mesmo Cavendish. Para quem tem memória
curta, o Google tá aí para rememorar que a queda de um avião de grã-finos num
paraíso no sul da Bahia revelou a intensidade das ligações fraternais perigosa
entre Sérgio Cabral, Cavendish e as incontáveis licitações vencidas por este
último em tudo o que é obra no governo do Rio de Janeiro na gestão atual.
COLLOR, O IMPOLUTO - O
telejornalismo passou a semana especulando que, se Carlinhos Cachoeira já
perdeu a liberdade, os amigos poderosos, o cabelo, a mãe (morreu há uma semana),
mais de 10 quilos, portanto, já não tem nada a perder. Essa insinuação leva à
especulação de que o bicheiro vai abrir a boca e que, assim sendo, proteja-se
quem puder, pois se há algo que o Brasil sabe é que, em Brasília, essa Brasília
cujos nomes frequentam CPIs, ninguém é inocente.
Coincidências à parte, até o pétreo e férreo José Sarney começou a
semana enfartando. Mas falando-se da falta de inocência na CPI de Cachoeira,
Demóstenes é fichinha: é ou não é o máximo das voltas que a história dá ouvir
William Bonner e Patrícia Poeta anunciando que entre os senadores estrelados
indicados para julgar a quadrilha empresarial e política do rei dos bingos de
Goiânia está ninguém menos que o impoluto Fernando Collor de Mello?
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e
Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 22 de
abril de 2012, no jornal A Tarde, Caderno 2, p. 05, Salvador/BA; maluzes@gmail.com
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