sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Veveta e a imprensa fã clube

Texto publicado originalmente em www.facebook.com/malu.fontes.39 , em 13 de dezembro.

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Malu Fontes*

Foto: reprodução/divulgação

Entre as milhares de frases deixadas como legado pelo brilhante Millôr Fernandes, uma delas é especialmente cara aos jornalistas que respeitam informação: "Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados". Diante do show de comemoração dos 20 anos de carreira de Ivete Sangalo, esta semana, impressiona perceber, sobretudo nos posts aqui, o quanto os jornalistas da terra precisam puxar explicitamente o saco da cantora e de sua assessoria. Ok, se é para falar da estrutura, onde mora a dificuldade de falar disso sem parecer que, na Bahia, o jornalismo que cobre qualquer coisa parecida com um novo disco ou um show de um artista local tem que se confundir com uma grande ovação típica de um grande fã clube? Por que não se consegue ler um post que seja de um jornalista falando dos bastidores e da estrutura da festa, dos seus números, sem parecer que quem escreveu está de joelhos porque recebeu um ingresso de cortesia ou precisa aproveitar a oportunidade para divinizar o show de uma para espinafrar o livro da outra? A coisa tá ficando tão feia e exagerada que, mesmo se tratando de uma mulher linda como Ivete, a deformação da imprensa local chega ao ponto de publicar na capa de cadernos de cultura imagens tão fotoshopadas da cantora que fazem o leitor sensato (ou esse tipo de gente inexiste entre quem lê jornal em Salvador?) arregalar o olho. Para que fotoshopar Ivete? Na foto, nem joelho Ivete tem. Sim, até as divas (ainda) têm joelho... Se ainda fosse numa página de publicidade... Mas é justamente aí que mora a coisa: quando se trata da música local, na imprensa local, processos tão distintos como informação, divulgação e publicidade há muito se tornaram uma coisa só.

Tantos elogios de forma tão "fã clube way of writting" serão motivados pelo medo dos jornalistas de que o entourage do marketing da cantora puna quem não elogie tudo, não enviando no próximo evento outra credencial? Calma, minha gente, o esquema de assessoria da cantora é profissional e não usaria esse tipo de artifício, tão primário. Como diria Lula, na hora de babar ovo, para usar uma expressão local, menas, minha gente, menas...

E para arrematar, uma frase entreouvida dia desses num grupo formado por gente dessa categoria social que se auto-intitulou em Salvador como GENTE BONITA. Alguém do grupo se queixava ao saber que a "pista" do show, no gramado da Fonte Nova, seria acessível aos fãs comuns, aqueles mortais que não ganham credencial, ingresso para o camarote top com direito a um head phone branco com a marca IS20 e nem podem pagar uns mil caramanguás por um lugar privilegiado atrepado do estádio, reservado à "gente bonita". O naipe da queixa merece uma tese acadêmica: "É claro que isso não pode ser verdade. Imagine se uma artista nacional como Ivete iria fazer um show de gravação de DVD dando acesso à pista a quem não comprou camarote! Imagina se ela iria permitir que as câmeras filmassem, na frente do palco, um monte de gente feia, desarrumada e sem dente que não tem dinheiro pra comparar camarote..." Apois!

P. S.: Há uma falha neste post. Parte da imprensa baiana acha quase uma heresia chamar a cantora de Ivete. Íntimos como são, só os estranhos não sabem que o nome dela é Veveta. E ela não dá mais entrevistas: chama a imprensa para um bate-papo.

*Malu Fontes é jornalista e professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia

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