Alguns dos espaços
antes ocupados, no jornalismo impresso e no telejornalismo, por um subgênero
chamado de jornalismo de serviço, serviam para informar aos leitores e
telespectadores o que abriria e fecharia nos feriados, cotação de preços de
produtos alimentícios básicos em períodos especiais ou estações, onde encontrar
atendimento para uma série de demandas sociais, dicas de emprego e de outras
oportunidades, foram, aos poucos sendo substituídos pela tendência da
auto-ajuda. Nos últimos anos tal tendência virou febre e a televisão embarcou
nessa onda sem nenhum comedimento.
Das bancas de
revistas, aos jornais impressos e nos programas de TV matutinos e vespertinos é
impossível contar a quantidade de produtos voltados para dizer às pessoas como
elas devem viver, comer, dormir, fazer sexo. Enfim, para qualquer ponto que se
olhe da indústria cultural há um texto, um apresentador, um especialista ou, na
maioria das vezes, um picareta de plantão na televisão, dizendo o que as
pessoas devem fazer para serem felizes e viverem bem todos os dias da vida. O
fenômeno é tão alarmante que basta ler, ouvir ou assistir as falas desses
conselheiros de plantão, personais de
tudo, para deduzir que o enunciado dos seus discursos, no conjunto, não diz
outra coisa senão: se vocês fizerem tudo o que a gente manda, comerem tudo o
que a gente aconselha, fizerem os exercícios certos, usarem os produtos que
recomendamos, nunca morrerão, pois as causas da morte ou os riscos de esta
acontecer desaparecerão de suas vidas.
VASSOURA - A televisão aberta vive hoje uma febre em suas grades
de um gênero que pode ser chamado ironicamente de telejornalismo prescritivo,
caracterizado como um discurso de papagaio treinado que repete sem parar tudo o
que o cidadão deve fazer: de quanto em quanto tempo deve trocar os travesseiros
e por quais para não ser acometido de síndromes alérgicas irreversíveis a como
pegar direito na vassoura e manejá-la para limpar a casa sem que a coluna
vertebral um dia se desmonte e para, de quebra, perca-se algumas calorias e ganhe-se
massa muscular. Sim, a faxina de casa é apresentada à dona de casa como uma irresistível
forma de exercitar o corpo. Desde que seja feita, é claro, com muito prazer e
com movimentos mais articulados e coreografados diante da vassoura, do balde
d’água e do pano de chão do que os de um corpo de baile de um grupo de dança
premiado por suas coreografias.
Se o Fantástico, no quadro Medida Certa, já colocou seus
apresentadores, Zeca Camargo e Renata Ceribelli a fazer diante do público todos
os esforços do mundo para ensinarem aos telespectadores como entrar em forma, agora
é a vez de ensinar a mesma coisa às crianças. Recrutou algumas, todas gordinhas,
exceto um garoto, para fazer o mesmo no Medidinha
Certa, ensinando-os (e aos pais) a comer e ter um corpo bom. No mesmo Fantástico, não faz muito tempo o Doutor
Bactéria ensinava o tempo certo para trocar a esponja de lavar pratos. Mas se
todo programa de TV que se preze hoje tenha embutido em seu formato um quadro
dizendo o que alguém deve fazer e o que evitar, o prêmio vip da categoria fica
com o global matinal Bem Estar. No
programa se aprende de tudo. É o formato mais redondo do que já se pode chamar
de jornalismo prescritivo, um jornalismo que tem como mote prescrever receitas
cotidianas de como viver da maneira certa.
VIVARINA - Assim como há algum tempo todo mundo se perguntava se
as facas Ginsu (anunciadas como capazes de cortar até pedra) cortariam as meias
Vivarina (uma meia fina feminina à prova de qualquer dano, de unha de gato a
escoriações em chão árido), hoje já se pode perguntar do que morrerão as
pessoas se elas cumprirem todas as prescrições que os especialistas de plantão
desfiam nos programas de TV. Todas as doenças parecem ser passíveis de serem
evitadas e até mesmo a violência parece ser coisa da ordem da escolha das vítimas.
Rodrigo Pimentel, o Capitão Nascimento de carne e osso, está todos os dias na
Globo ensinando todos como fazer para evitar assalto e repetindo pela enésima
vez como uma mulher deve carregar uma bolsa para que esta não seja levada pelo
ladrão.
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e
Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 17 de junho
de 2012, no jornal A Tarde, Caderno 2, p. 05, Salvador/BA; maluzes@gmail.com
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