Malu Fontes
O deputado federal Jair Bolsonaro é um personagem recorrente da direita galhofeira nacional. Desde que ingressou na vida parlamentar, Bolsonaro nunca atravessou um mandato, ou um ano sequer, sem aparecer nos jornais e telejornais defendendo algo de muito grosso calibre ou de muito baixo calão. A defesa da pena de morte e da tortura como método são alguns dos temas mais delicados do repertório parlamentar e corriqueiro de Bolsonaro.
A sorte de quem até hoje sabia que ele não passava de um surtado com mandato era o alívio de saber, também, que quase ninguém Brasil afora sabia da existência do deputado. O diabo é que, desta vez, por ter pegado carona na fama de Preta Gil e do CQC de Marcelo Tas, Bolsonaro ficou famoso nacionalmente. E fazendo exatamente o que lhe faz experimentar orgasmos múltiplos: ofendendo e discriminando. Desta vez os alvos foram os negros e os homossexuais.
LIMÃO - O barulho feito em torno de Bolsonaro e de suas últimas falas discriminatórias, episódio encontrável a um mero clique em qualquer site de buscas na web, talvez merecesse ser completamente ignorado pelos mais sensatos, dado o absurdo do seu teor. No entanto, apesar da cantilena de certos setores da sociedade e da intelectualidade brasileira, segundo a qual nunca fomos nem somos racistas, e da escala crescente de crimes violentos e assassinatos registrados nos últimos anos contra homossexuais, é bom que o preconceito manifesto, venha ele de onde ou de quem vier, seja rebatido e tratado como se deve, para não criar limo nem estimular plateias insanas ávidas por um porta-voz de ideias turvas e enviesadas.
Um dia, um grupo de garotos bem nascidos, em plena Avenida Paulista, São Paulo, espatifa o vidro de lâmpadas fluorescentes, usadas como bastão de açoite, contra o rosto de rapazes nos quais enxergaram comportamentos homossexuais. No outro, a torcida de vôlei de um ginásio inteiro em Minas Gerais hostiliza um jogador xingando-o de bicha a cada vez que ele tocava na bola. Antes, durante e depois, jogadores de futebol brasileiros e negros são reiteradamente chamados de macacos em campos da Europa. Aí, vem um deputado falando de negros e homossexuais como se falasse de uma epidemia maldita. Ou pega-se o limão e faz-se uma limonada, aproveitando o preconceito para constranger e punir quem o promove, ou faz-se de conta que é assim mesmo e opta-se explicitamente pela tolerância diante da violência explícita cometida por quem tem mais poder e, consequentemente, direito de abusar contra toda e qualquer pessoa a quem julga diferente de si.
100 DIAS - Na mesma semana em que Bolsonaro divertiu-se, orgulhoso, ao ser retratado como Hitler em um cartaz de um grupo de manifestantes no Congresso, argumentando que só se irritaria se a retratação lhe inserisse um brinco, na mesma semana em que o jogador Michael resolveu levar os xingamentos que recebeu à Justiça, o corpo de uma menina de 17 anos foi encontrado, de cabeça para baixo, esfaqueada, numa cova rasa, no interior de Goiás. Um fazendeiro e seu filho são acusados de assassiná-la em janeiro, pelo fato de a vítima manter um relacionamento amoroso com a filha do acusado, também adolescente. O Jornal Nacional, tão cioso em noticiar casos de violência contra o adolescente, parece ter preferido silenciar sobre o caso, mesmo porque, na edição do dia em que a notícia veio à tona nas outras emissoras, o jornal de Fátima e Bonner estava por demais feliz em anunciar solenemente, e com antecedência de quatro anos, a campanha eleitoral em torno da candidatura de Aécio Neves à Presidência da República.
A popularidade de Dilma Roussef em seus primeiros 100 dias de mandato deve ter precipitado o alvoroço tucano. E, até onde se sabe, para o lançamento oficioso da campanha tucana, certamente ninguém se deu ao trabalho de perguntar a José Serra, o candidato canônico do PSDB, o que ele achava. O discurso de Aecinho, como lhe chamam os íntimos globais, foi o assunto político dos bastidores e da cena do telejornalismo político durante a semana. O fato é que, do ponto de vista televiso, o telespectador, coitado, quando sequer tinha se dado conta que uma campanha eleitoral havia acabado, eis que outra já começou.
MELANINA DO CUNHADO - E voltando a Bolsonaro, incomodado por demais em ser chamado de racista e nem um pouco por ser taxado de homofóbico, trouxe a seu favor para a imprensa e para os movimentos sociais que o acuaram a velha prova clássica das elites brasileiras quando precisam de provas para jurar que amam os negros e a negritude. Apresentou o retrato de um cunhado, cujo tom de pele tem alguma melanina a mais e lançou ao país uma pergunta que, para ele, calaria os argumentos de um país inteiro duvidante da sua tolerância. Apontando para o tom de pele do cunhado, inquiria seus interlocutores: “como eu posso ser racista se esse cara é meu cunhado?”. Diante de argumento tão incontestável, quem haverá de contradizê-lo?
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 10 de abril de 2011, no jornal A Tarde, Salvador/BA. maluzes@gmail.com
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