domingo, 9 de janeiro de 2011

TELEANÁLISE: O Machismo Feminino

Malu Fontes escreve para a "Revista da TV"
Malu Fontes

Há uma semana, tomou posse a primeira mulher brasileira eleita para a Presidência da República. Nas primeiras horas do Governo Dilma Rousseff, nove mulheres assumiram ministérios, ocupando um quarto do primeiro escalão, 25% das indicações mais importantes. No entanto, a personagem feminina que mais chamou atenção dos meios de comunicação não foi nenhuma dessas mulheres, mas uma moça até então desconhecida, até mesmo para a maioria dos habituais telespectadores do noticiário público. Após ser exibida pelas câmeras de TV que transmitiam a posse para o Brasil e o mundo, Marcela Temer, uma mulher de 27 anos, bonita e casada com o vice-presidente da República, Michel Temer, tornou-se, para usar um termo usado e repetido pela imprensa durante a semana, o grande ‘furor’ da posse de Dilma Rousseff.
Para além da repercussão, sempre em tons de imprensa cor-de-rosa, gerada pela associação entre os dotes físicos de Marcela, uma ex-miss, e seu casamento com um homem poderoso e 40 anos mais velho, o que ficou escancarado em 11 de cada 10 comentários emitidos a respeito da vice-primeira dama foi a proximidade grosseira entre o machismo arraigado dos homens brasileiros e o das mulheres, de todas as idades, classes sociais e áreas de atuação. Se há um território fértil e propício, hoje, à análise das repercussões e dos desdobramentos dos fatos veiculados na TV, são as redes sociais, acompanhadas de blogs e congêneres. O que não quer dizer, de modo algum, que, neste caso, os grandes portais de notícias, tidos como mais sérios e profissionais, não tenham também mordido a maçã da maledicência e da vulgaridade e dedicado a Marcela os mesmos adjetivos e trocadilhos derrapados na condenação moral.    
Marcela tem 27 anos e há sete está casada com Michel Temer, com quem tem um filho caminhando para os dois anos. Ou seja, não deu o golpe da barriga para casar e nada a associa a uma doidivanas de ocasião que, diante do poder à vista, caiu na rede do coroa que aqui e ali sentará na Presidência da República. Nesses sete anos, pelo que se saiba, nunca foi vista expondo sua figura na Medina (sim, O Clone está de volta), nem tampouco arrastando seu sári no mercado (Glória Perez, idem, em Caminho das Índias). Mas bastou aparecer diante das câmeras no Parlatório da Posse e na Rampa do Palácio, durante a solenidade de posse de Dilma e Temer, para Marcela se tornar o alvo irresistível de um corolário de julgamentos morais para lá de demonizadores.  
FORA DE FORMA - Se durante esta semana algum brasileiro não viu ou ouviu qualquer referência a Marcela Temer, certamente estava ilhado nas enchentes da Austrália. Apareceu de tudo na TV e na Internet. De fotógrafa oportunista querendo ganhar uns trocados com fotos de desfile de concurso de beleza quando ela não passava de adolescente, a jornalistas e atrizes-modelos a destilarem veneno contra a moça. A jornalista Mônica Waldvogel, uma das papisas do tucanato ainda desconsolado, da GloboNews, escreveu em seu twitter que Marcela estava muito mal vestida e deselegante para a ocasião. Beth Lago, um tanto fora de forma para quem preza tanto a dos outros, em uma conversa de comadre com a eternamente jovem e irretocável Ana Maria Braga, levou intermináveis minutos aplicando a Marcela condenações estéticas que tornaram as de Waldvogel elogios de primeira grandeza.
Após uma semana diante da imagem de Marcela na TV, e, diga-se, de nenhuma aparente disposição inicial dela para alimentar o circo montado à sua revelia em torno de sua imagem (sim, os produtores do Fantástico devem estar negociando as mães para Patrícia Poeta ser recebida pela vice-primeira dama no Palácio do Jaburu, a residência oficial dos vices-presidentes), e diante das repercussões nos jornais e nas redes sociais, o que se tem, de concreto, é uma lição e tanto sobre os modos de manifestação do machismo masculino (era para ser redundante, mas, neste caso, não é) e feminino.
MERCADO DAS CARNES - As mulheres não perdoam Marcela por ela ser jovem, bela e casada com o um homem poderoso. Se ela tem tudo isso, claro, precisa ser automaticamente descompensada do ponto de vista moral: tem isso porque é uma vendida imoral, uma alpinista social, a típica social climber, insinuam todas, quase em uníssono. Os homens, em seus elogios sexuais de morcego (assopram e mordem), sobretudo os mais jovens e menos endinheirados, já que a desejam e não podem tê-la, a ela se referem como a gostosa, mas ao mesmo tempo como uma caçadora de velhos poderosos e, consequentemente, uma mulher do tipo comprável por um bom dinheiro idoso no mercado das carnes humanas, exclusivamente por seu potencial erótico-estético e por sua jovialidade e beleza.
As mulheres belas e jovens somente serão perdoadas e redimidas da imoralidade que o machismo imprime sobre elas, sobretudo o machismo feminino, se fizerem votos de castidade e pobreza e dedicarem-se ao borralho. Ou se elegerem como parceiros amorosos personagens bíblicos, feridentos, andarilhos e maltrapilhos, preferencialmente eunucos a quem serão fiéis por toda a vida. Ah, a inveja é um sentimento que sabe travestir-se de moralidade que é uma beleza.  
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado em 09 de Janeiro de 2011 no jornal A Tarde, Salvador/BA. maluzes@gmail.com

Um comentário:

  1. Adorei o q vc disse. Tb li os comentários machistas das moçóilas modernas e nem tão belas- inveja mata. Tb vi uma doidivana saindo na dianteira. Deusmeu! eu nem sabia da história de vida da moça- mas a respeitei e nem achei mal vestida, achei-a mto linda, isso sim. Escrevi pa a ex modelo q era covardia ela ficar fazendo julgamentos- não quis dizer mais p não ser agressiva, não gosto, mas vc está certa.
    abs, Laura_Diz
    www.lauradiz.blogspot.com

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