sábado, 4 de fevereiro de 2012

Teleanálise de Malu Fontes

JOÃO E O ‘METRÔZINHO’ DA ALEGRIA
Enquanto o prefeito se diverte, a cidade sofre com o descaso. Foto: Correio24 horas

A pouquíssimos dias do Carnaval e com a cidade em plena alta temporada turística de verão, com múltiplas festas e ensaios a cada esquina, paradoxalmente Salvador poucas vezes esteve tão feia, mal cuidada e pouco receptiva para os milhares de turistas que recebe. A infra-estrutura da orla, antes acusada de estar mais para uma estética favelizada, desandou de vez após a derrubada de todas as estruturas que ofereciam algum serviço aos banhistas nas praias sem que absolutamente nada tenha sido colocado no lugar.

As emissoras locais de televisão não cansam de mostrar, a cada matéria que veiculam sobre as praias em Salvador, os níveis de improviso que hoje imperam na orla. Se as velhas barracas de praia eram acusadas de serem feias, sujas e poluentes, agora a coisa está tão medonha quanto. Ou pior. O que se vê, para além de mesas de plástico encardidas, sombreiros puídos e lanches preparados e servidos em circunstâncias que fazem o diabo revolver as vísceras, são toneladas de lixo espalhadas por todas as praias de Salvador, enfeiando até mesmo um dos principais cartões postais da cidade, a praia do Porto da Barra, onde até um riacho de esgoto recentemente fez companhia ao lixo na areia. Sem falar no lixo jogado ao mar que se acumula no fundo da água.

UM CONSULADO - Simultaneamente à feiúra vista na cidade, seja a olho nu ou através das matérias que diariamente a imprensa impressa e televisiva veicula, um fenômeno político chama atenção: a decadência da gestão do prefeito João Henrique Carneiro, um saltador de partidos políticos que em seu segundo mandato resolveu abrir mão oficiosamente do cargo e se transformar em um dublê de muito mau gosto. 

O dar de ombros do prefeito é tamanho que há muito deixou de dar entrevistas sobre os problemas da cidade e quando aparece é com factóides que merecem mais ovos que os atirados contra o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, quando da ida à missa pelo aniversário de 458 anos da cidade de São Paulo. Recentemente o prefeito faz-de-conta resolveu fazer um barulhinho na imprensa com uma iniciativa risível se ele não fosse tão desprovido de graça: escreveu uma carta a Hillary Clinton, secretária de estado dos Estados Unidos no Governo Barack Obama pedindo nada menos que um consulado dos Estados Unidos em Salvador. Se isso não é factóide, o que seria? Enquanto isso, os serviços públicos mais básicos, como assistência à saúde, limpeza urbana, transportes e educação parecem estar sob colapso e o prefeito finge não ter nada a ver com isso. Quando a imprensa questiona o caos, o prefeito escala seus subalternos doublês para dizer asneiras solenemente.

A desaparição do prefeito das questões graves e feias que a cidade enfrente é tão absoluta que ele sequer se deu à obrigação de cumprir um dos compromissos mais formais do mandato: abrir os trabalhos da Câmara de Vereadores para 2012 na última quarta-feira. Uma Câmara, aliás, composta de tantos ausentes quanto o próprio prefeito. Uma vereadora que atende pelo nome fofo de ‘Tia' Eron, apontada como a mais ausente da legislatura, preferiu, no dia da reabertura, tomar um cafezinho esperto na sala destinada a esse fim, quem sabe para testar o poder de ressurreição física da cafeína para o trabalho. 

Outra vereadora famosa, Léo Kret, esteve ausente, mas por um motivo que seu eleitorado deve considerar razoável: está confinada num trio elétrico onde se encena o primeiro reality show genuinamente baiano. Para quem não viu o Trio Reality, na TV Aratu/SBT, recomendam-se nervos estéticos fortes. Especula-se, inclusive, que a equipe de produção do programa tem de trabalhar mais que dobrado, pois se 10% do que a vereadora do sexo masculino diz no reality for ao ar, o mandato da moça-moço vai para as cucuias por falta de decoro. E vale lembrar que, para perder um mandato de vereança em Salvador por falta de decoro, a indecorosidade deve ser do arco da velha. Diz-se também que para além e aquém de Léo Kret, as estripulias sexuais cometidas (e jamais mostradas, por conta do horário) pelo povo do Trio Reality fazem a casa do BBB parecer o Castelo Ratimbum.

GATALHO - Quanto ao prefeito e sua indisfarçável decisão de cruzar braços e pernas quanto aos problemas da cidade muito antes do fim do seu mandato, sua última aparição digna de registro se deu em um vídeo singelo que há uma semana circula nas redes sociais, mostrando-o animadérrimo com a mulher recém-conquistada, Mrs. Paraíso, formando um trenzinho, ou melhor, um metrozinho da alegria (para não perder a piada com o inacabável metrô de Salvador) para lá de constrangedor ao som de uma trilha sonora que, para a população, tem tudo a ver com os personagens envolvidos na dancinha: ao som de um dos hits de Cláudia Leite cujo versinho singelo entoa “safado, cachorro, sem-vergonha”, o prefeito e a consorte Paraíso encenavam um animado trenzinho bailante no Festival de Verão na semana passada. Sim, prefeito, a imagem é uma preciosidade, sobretudo levando em conta seu novo figurino, composto por camisas justérrimas, algo meio slim, no melhor do melhor da linha ‘gatalho’.

Enquanto isso, a TV exibe e repete trocentas vezes por dia campanhas publicitárias institucionais da Prefeitura de Salvador, com um refrão cínico dando conta de que, durante a gestão atual, essa mesma, a de João versão Paraíso no trenzinho, dá para ver o que mudou na cidade. Para melhor, claro. Um chefe de Executivo municipal que leva a terceira capital do país para a decadência que Carneiro levou deveria ser proibido por lei de mentir publicitariamente em anúncios dando conta das qualidades de sua gestão. Que mudança, cara pálida? Que as coisas mudaram, mudaram, mas para pior. Recomenda-se ao prefeito um luau com a nova primeira dama no Terminal Marítimo de Plataforma, onde há uma semana uma equipe da TV Bahia foi surpreendida com um roubo. Enquanto jornalistas da emissora gravavam uma matéria sobre a insegurança, a decadência e a completa falta de estrutura do lugar, o motoboy que leva a fita para a emissora com o material gravado teve o capacete roubado. Dá pra ver que mudou, né? Se isso é estar na melhor, pô, o que é estar na pior, né Salvador? 

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 05 de Fevereiro de 2012, no jornal A Tarde, Salvador/BA. maluzes@gmail.com 

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