domingo, 3 de julho de 2011

Teleanálise | "A morte inventada"

Malu Fontes



Nesse cenário e nessa escala jamais experimentados de multiplicação de produtores de informação, somente os ingênuos correm o risco de acreditar que, em boa parte do que se publica haja qualquer coisa parecida com comprometimento, ética, apuração e checagem, seja sobre fatos, pessoas ou coisas. Se até bem pouco tempo tinha-se um aspecto que pode ser considerado negativo, em que poucos polos produtores de informação diziam poucas coisas para muita gente, hoje a lógica invertida não gera apenas louros a serem comemorados.


Ao mesmo tempo em que é verdade que os velhos polos de emissão e recepção da informação se desmancharam e que isso não é ruim, é também fato que, hoje, todo e qualquer um diz o que quer e como quer. Qualquer um reivindica para si o status de produtor de conteúdo e informação e, se, do outro lado se tem uma recepção e um leitorado pouco crítico e advertido diante do que vê e lê, tudo, ou quase tudo, corre o risco de virar um circo de invencionices e espetáculos perecíveis, quase um lixo informativo.


A velocidade com que a convergência dos meios informativos parece querer convencer seu telespectador, leitor, receptor a crer que fatos importantes não param de acontecer nos quatro cantos do mundo e que o sistema de mídias está ali justamente para contar e mostrar tudo o que é importante e que todos devem saber, não passa de um saco de vento. Não há informação suficiente, de qualidade e relevância, para abastecer tantos suportes informativos na velocidade do tipo ininterrupta e em tempo real que os suportes de informação falsamente prometem.


ANTAS QUE PINTAM - Assim sendo, como todos os espaços devem ser preenchidos, preferencialmente com coisas facinhas para prender o telespectador mediano e não perdê-lo para a leitura rápida dos portais (inventou-se também que texto na internet tem que ser muuuuito curto, embora não se saiba com quem isso foi combinado), a televisão, para ficar só no exemplo dela aqui (embora os jornais impressos estejam indo cada vez mais atrás da mesma fórmula, a da forma que mais desinforma que informa), tira da sua cartola oca coisas do outro mundo: um polvo premonitório especializado em placar de futebol, uma gambá vesga, bundas com vida própria, mulheres horti-fruti, gente que chora sangue, e até, acredite-se, antas que pintam quadros e expõem em museus e galerias (antas aqui equivale a animais que pintam e não a artistas plásticos antas, que fique claro), conforme anunciaram Sandra Anemberg e Evaristo Costa no meigo Jornal Hoje.


Mas como tudo sempre pode piorar e piora, a cereja do bolo podre da televisão brasileira foi ao ar na última semana, quando um desses tipos que se multiplicam como erva daninha no subsolo do mundo das celebridades de quinta teve sua morte anunciada com pesar pela própria emissora para a qual trabalha e, pasme-se, um dia antes da estreia de um quadro do tal fulano no programa que teve a (in)felicidade de dar o furo da morte de tão grande talento do jornalismo de entretenimento brasileiro. Sim, esse segmento existe e é fortíssimo. Na esfera regional, aqueles que se arriscam nessa especialidade não têm muito futuro, pela estreiteza do cenário, e têm como risco ficar para sempre condenados a noticiar em sites pouco acessados as estripulias nada interessantes dos chamados ‘famosos do bairro’, aqueles subfamosos que frequentam colunas sociais impressas e eletrônicas, se acham, mas ninguém além de suas rodinhas sabe quem é.


SEBORREIA - Na terça-feira, a caricatura que atende pelo nome de Amin Khader, um tipo exemplar do ‘ famoso quem’, famoso por ser amigo de Romário, das mulheres frutas e de meia dúzia de celebridades que batem ponto nos programas de auditório e no elenco de apoio das novelas, foi anunciada como morta pela Rede Record. O curioso da notícia, falsa, e, diz-se, inventada pelo próprio não-morto e pela emissora para promover um quadro de fofocas do dito cujo, foi o fato de boa parte do consumidor de informação de TV, e sobretudo das redes sociais, só ter tomado conhecimento da existência do sujeito justamente quando o próprio resolveu inventar que morrera.


Na idade mídia é assim: a subcelebridade precisa tão desesperadamente de álibi para aparecer que, sem nenhum talento ou trabalho para mostrar, tem que adotar as estratégias mais insanas. Inventar e anunciar a própria morte elevou Khader ao estrelato por um dia em todos os programas de TV especializados em transmitir direto da seborreia do mundo, nas redes sociais, no ranking mundial do twitter e multiplicou os resultados de busca com seu nome no Google de 20 mil para mais de 200 mil. E a coisa dá tão estranhamente certo que até quem desconhecia o tão ilustre personagem e sua história bizarra até a leitura deste texto acaba de ser apresentado ao tal.


Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 03 de julho de 2011, no jornal A Tarde, Salvador/BA. maluzes@gmail.com

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